domingo, 22 de agosto de 2010

A vida sem poesia 1 de 1

Sempre idealizei a garça como um animal nobre.Talvez pelo pescoço longo, pelo branco celestial da sua penagem, pelas pernas longas que parecem não tocar o chão, pelo bico grande ,amarelo ,simetricamente perfeito e um monte de outras coisas. Um dia, me disseram que as garças só existem, em grande quantidade, onde há muita sujeira.

O local onde eu moro é cheio de garças. Minha casa fica em frente a uma lagoa imensa. A lagoa dos índios. Por que esse nome? Eu também não sei.Talvez alguns índios devem ter morado ao aqui por muito tempo. Com a chegada do colonizadores, as ocas devem ter sido queimadas, as crianças foram assassinadas, as mulheres foram violadas, o homens devem ter caído para proteger as suas famílias.

Ou não.

A lagoa nunca pareceu um lugar imundo. Se o leitor visualizar o local por cima, dificilmente, vai ver rastros de sujeira ou qualquer coisa que profane um verde tão perfeito. Mesmo assim, as garças continuam lá. Aos montes. Eu acho que para cada urubu, existem umas quatro garças. Quando um urubu morre, os seus companheiros não devoram a sua carniça. Essa é uma verdade sobre urubus. As garças devem faze-lo, afinal criaturas lindas não precisam ser nobres.

Um dia, eu acordei completamente apaixonado. Pessoas nesse estado costumam a pensar na vida com mais poesia. A ocasião pede. Nunca tive um olhar poético sobre nada .Não consegui na época e desisti.Em um dos milhares dias perdidos da minha adolescência, eu e muitos amigos da escola viajamos para um daqueles passeios de escola. 7: 45 da manhã e todos deviam estar no pátio da escola para escolher o seus lugares no ônibus. Cheguei um pouco tarde demais e tive que ficar na janela e um casal ocuparia as poltronas do meio e do corredor.

A moça estava inconsolável.Na véspera do passeio, ela tinha visto um bando inteiro de pássaros morrerem eletricutados na hora que ela varria o patio de casa. Ela, então, foi surpreendida, do nada, por uma chuva de pássaros mortos. Ela nunca tinha visto e nem presenciado nada tão terrivel. Enquanto as árvores iam passando por nós em uma velocidade entediante, o rapaz tentava consolar a mocinha, explicando o ciclo da vida, no entanto, pássaros mortos por eletricidade não estão em nenhum livro de biologia.

O rapaz dizia a moça para ela esquecer do triste destino das garças, que a morte não era o pior dos destinos. Ele dizia isso pegando nos cabelos dela, encostando o corpo dele no dela para esquentá-la e lembrar que ele tinha um pássaro mais importante, ainda vivo, pulsante, louco para enxugar aquelas lágrimas e melar o rosto dela com outra coisa. Ela dizia que não conseguia tirar do nariz, o cheiro dos pássaros mortos. Sim, era terrível. Alguns ainda se contorciam no chão antes de morrer, as penas caindo do céu como neve, quando ela tentava fugir, eles batiam no ombro dela.

Ela tomou vários banhos naquele dia. Papai e mamãe a agradaram muito . Papai a pôs no colo e começou a cantar alguma musiquinha idiota que ele sempre ouvia no carro e mamãe fez uma linda torta de limão. Essa torta sempre a conquistou. Quando ela era pequenina, do tamanho de um botão, mimada, amada, linda, desdentada, catarrenta, retardada, egoísta, imunda, estúpida e o mundo parecia ser um lugar apenas grande demais; a torta da mamãe despertava o melhor dentro dela, curava todas as dores e enchia o coração dela de algo que ela jamais soube dizer o nome.

Em um futuro distante, bem distante do que imaginamos, quando as bestas descerem do céu vermelho, quando as carruagens do inferno passearem pela rua, quando toda água do mundo se tornar veneno, quando o corpo dela for chicoteado, quandos os minutos se tornaram horas, quando o sangue dela pingar no chão para ser bebido pelos servos de satanás, quando ela urrar de dor pedindo para morrer; a única coisa que ela vai lembrar é da torta da mamãe.

E dos pássaros mortos.

Vamos voltar ao presente. O namorado na poltrona do corredor, ela na do meio, eu na janela. As pessoas apontavam para uma fábrica desativada. A paisagem agora era de cones. Eu lembro muito das pessoas que estavam no ônibus, mas eu os vi pouco depois que concluí o ensino médio. A vida os tornou professores, estudantes, pais, mães, afogados, suicídas, desgraçados. As pessoas são más e, realmente, não prestam. Porém, a vida é pior. O namorado mostrava uma revista para a namorada. Algumas modelos a encaravam da revista. Magras demais, lindas demais. A beleza delas fez a moça chorar copiosamente e o rapaz deu longo suspiro.

Ele viera preparado para a ocasião. Nossa, como ele havia esperado aquele dia. Papai dissera a ele que havia comido muitas meninas na água de inúmeros terrenos. Para provar ao filho, ele passou a mão no pênis e disse para o filho cheirar o odor vaginal da vitória. Ele cheirou, mas não sentiu nada. O pai, então, disse que o melhor seria chupar para sentir no paladar: o melhor dos sentidos. Ele chupou com muita força o pau do pai, do herói. O gozo quente do pai na sua garganta o tornou um rapaz mais confiante. Cinco gozos desses e ele se tornaria um herói da guerra. Elmo na cabeça e o estandarte com o pau do pai erguido entre as lanças. Ele enfrentaria uma legião de bárbaros, gordos, sulistas, orientais, desgraçados, leprosos, pedófilos, filhos da puta e morreria em glória.

Mas não nessa versão do mundo.

Aqui, a namorada dele está apavorada por causa dos pássaros mortos. Papai o preparou para ser um macho, mas não para ser um coveiro. O destino do nosso ônibus havia sido atingido. As pessoas desciam ansiosas do ônibus e gritavam para o céu. Os pássaros das árvores voavam assustados por causa do alvoroço. A moça se agachou no chão, desesperada. As penas dos pássaros caíam sobre as pessoas. Eu espanei bastante dos meus ombros.

O terreno era cheio de chalés. lá, os rapazes e as moças trocavam de roupa. Menos eu. Passei a estadia do terreno completamente entediado, esperando morrer. O rapaz e a moça entraram em um chalé, sozinhos. Os amigos dele e os amigos dela ficaram ansiosos pelo o que poderia acontecer lá, mas logo esqueciam por causa da chegada dos seus próprios momentos de sexo adolescente selvagem e louco.

Ela vestiu um biquini e mostrou para ele. O corpo em convulsão. No nariz, prevalecia o cheiro dos pássaros mortos. Ele observou a anatomia do corpo dela e fotografou com a mente. Ele a veria muitos anos depois, o corpo dela estaria destruído pelos excessos, pela maternidade e o rosto pelo cinismo da vida. Os olhares iriam se encontrar por alguns segundos, mas nada aconteceria.Nada jamais aconteceria de novo. A vida aconteceria, as novidades se tornariam raridades.

Ele alisou a coxa dela de forma que sempre tentava subir as mãos para dentro do biquini dela e .. .Bem, não vou descrever essa merda. Eles transaram . No fim de tudo, um " você é o amor da minha vida" saiu da boca de um deles. A moça estava mais aliviada. Por alguns minutos, ela esqueceu do horror dos pássaros mortos. Por alguns minutos. Breves minutos. O cheiro estava voltando. Pior, muito pior do que antes. Agora, ela havia violado o luto pelos pássaros morto com a sua luxúria. E os pássaros mortos não a perdoariam por isso.

Os rapazes pulavam na água que espirrava para todos os lados. O sol passava por entre as gotas as tornando coloridas. O som das risadas contaminava o ar. Um tronco imenso era levado pela correnteza. A vida pulsava no tronco: minhocas, musgo, insetos, mesmo assim, ele seria levado pela correnteza e engataria em alguma margem. A natureza que mora nele iria se findar. O tronco secaria e se despedaçaria aos poucos.

Não existe beleza na forma que a vida acontece, não existe poesia no fracasso, nem no amor, nem no sucumbir dos homens, nem nos pássaros mortos. A vida é sem poesia e gosta disso.Todo sonho é interrompido por um susto qualquer. Nós acordamos com corpo cansado, o hálito tomado pela podridão. O sol nas nossas cabeças não nos torna pessoas feliz,es pelo contrário, nos faz suas, seca o nosso cabelo, nos causa câncer.

Os pássaros que deviam ser a prova da dádiva maior de Deus: o poder de voar por aí e só tocar o chão para descansar, são tão burros que sempre morrem eletricutados no primeiro poste de energia. O castigo sempre chega. A maré do horror toma tudos e todos. Os corpos inchados apodrecem na margem e as garças, animais tão belos, arrancam os olhos das órbitas e voam para algum lugar. A morte as espera em algum poste.

O casal sai de mãos dadas do chalé. Eles pisam na terra ainda virgem daquele lugar. Na novelas adolescentes mostra como se usa preservativos, mas não de forma ilustrativa.Dessa forma, a vida acabou penetrando os óvulos da moça apenas para ser arrancado por um gancho terrível em um aborto. Os sonhos dela serão terríveis. O feto escorrendo pela vagina de forma viscosa, subindo pelas coxas , mamando chorume nos seios para depois regurgitar nos lábios de sua amada mãe.

O amante, o deformado amante vai sussurrar nos ouvidos dela o quanto a ama; o quanto o azul do mar parece cinza sem ela; o quanto o canto dos pássaros parece com garfo arranhando um tabuleiro de metal sem ela; o quanto ele ele precisa do liquído amniótico dela saciando a sua sede sem fim. Ela grita. Tanto amor a destrói, a deforma, a faz sentir vontade de vomitar. Ela afasta o filho amante com um empurrão. Ele se esborracha na parede. O sangue dele na parede vira algo parecido com uma teia de aranha.

Mas é um futuro distante. Os rapazes voltam de uma pescaria. Eles voltam com um peixe bem grande. Os professores acendem a grelha para assar o peixe. O pagode começa. Eu olho a paisagem. Bela paisagem. Daqui a algum tempo, ela não vai mais existir ou, se existir, será apenas arvores coníferas. Nada é eterno,aliás estou sendo um pouco radical. A única coisa eterna é a certeza de que tudo vai ser destruído no fim.

Ela se afasta do cheio do peixe assado. O peixe a faz lembrar dos pássaros. Ela se ajoelha em algum lugar da campina e implora por algum sinal divino de Deus, que por sua vez, não tem muito o que dizer a ela. A imagem de Joana D'arc lhe vem a cabeça. A linda Joana D'arc em sua armadura brilhante, guiada pela voz de Deus.

A linda Joana D'arc ardendo em chamas. A fumaça emporcalhando o céu. A gordura escorrendo em um vala. Sem glória, sem vitória. Será que ela ouviu a voz de Deus antes de morrer? Será que ela já ouviu alguma vez na vida ou ela fez tudo aquilo apenas para morrer queimada e a sua fumaça subir na direção Dele. Do Deus de Davi, de Abraão, deIsaac, do holocausto, do pai desonesto que abandona o filho á morte, do sacríficio sem recompensa.

As lágrimas são muitas. É necessário bastante baldes para guarda-las, e se as jogar em alguma vala qualquer, elas se tornarão o próximo mar morto. Onde nenhum peixe nada, nenhuma rocha tem musgo, nenhum pássaro voa. Desta água ninguem irá beber.Aliás, ninguém vivo.

Ela começa a se tocar , enche a cabeça de pensamentos imundos: paus cheios de veias,sodomia, suor, calor humano, saliva, secreção, excreção e tudo mais. Fazer amor adia a morte, disse alguém aí, se tocar traz a morte para a sua cama. Os pássaros mortos não a deixaram mais. Ela desiste. Lava a mão no rio e grita desesperada. Um grito sufocado pelos gritos de felicidade das outras pessoas.

As pessoas comem o peixe de forma selvagem. A coordenadora do passeio suga a cabeça. Eu me recusei a comer. Odeio coisas do rio. Ela olha o peixe com nojo. Quando as pessoas terminam de comer o peixe, os ossos ficam espalhados na mesa . Ela junta todos os ossos dentro de um saco e leva para o quarto.

Na bagagem, ela trouxe uma caixa de sapato, onde ela guardava algumas bolachas. Ela deposita os ossos dentro da caixa , sai do banheiro,escolhe um local bem distante de todos e começa a cavar, cavar e cavar. Quando o buraco está bem largo, ela deposita a caixa e a enterra. "Vá em paz" ela dsse para o peixe, mas ele não respondeu.




quinta-feira, 19 de agosto de 2010

Búfalos 1 de 1

O Curiaú, outrora ,foi um quilombo. Meu entrevistado afirma e ainda diz que até hoje o local ainda sobrevive como um último porto de seguro para os negros. Ele afirma não se orgulhar das raízes dele. Não pelo fato de ser negro, mas pela pouca disposição que os seus irmãos de raça tiveram para se livrar das correntes, mesmo quando essas foram destrancadas.

Eu questiono ele a respeito das milhares de coisas que contribuíram para os negros continuarem escravos e ele balança a mão com impaciência, dizendo que isso é papo para boi dormir. A uníca saida é o trabalho, ele prega esse lema para tudo o que faz para sí próprio ou para as pessoas que o cercam. Durante os dias em que esta incrível reportagem sobre o curiaú foi confeccionada, ele repetiu o maldito lema para toda situação que aparecia na frente dele.

Primeiro foi com a neta que chegou com o coração destruído em casa(viúvo, ele mora com um filho, cinco netas e a esposa do filho), ela tinha sido chifrada pelo namoradinho que a tinha trocado por uma qualquer.A moça fez um escandalo e amerressou umas coisas contra a mãe que a ameaçou com umas palmadas. O meu entrevistado atiçou a mãe da garota até a mocinha apanhar."Galinha nova a gente corta pela asa" ele fez um gesto com o dedo,imitando uma tesoura. Enquanto a moça chorava, ele explicou que a única saída é o trabalho.

Durante as nossas entrevistas, ele estava trabalhando em dois pequenos caminhões de madeira para os dois netos. Os caminhões serviriam para as crianças aprenderem sobre o valor do trabalho ainda na idade tenra. Eu perguntei qual era o brinquedo favorito dele quando criança e ele respondeu que não tinha. A obrigação sempre vinha em primeiro lugar, além do mais havia uma linda lagoa para ele brincar. Brinquedos eram obsoletos.

Fazia um bom tempo que ele sofria de depressão. Eu perguntei da nora se o motivo era a perda da esposa que tinha morrido tão recentemente, mas não era. Ele era assim desde jovem. O marido disse a ela que as crises haviam começado na infância deles e dos irmãos. A vó deles tinha morrido e o pai passou dois meses catatônico. Quando a esposa tentava consola-lo, ele a reprendia com violência, dizendo que ela era uma puta e nem chegava perto da figura magnifíca que era a mãe dele. Um belo dia, tudo acabou e ele foi trabalhar.

A família ficou feliz por ver o pai levantar de novo daquele calvário, mas ele voltou pior, mais rigido, mais severo do que jamais fora. Um dia, dois dos meninos brigaram e ele os trancou no armário. Um amarrado ao outro para eles lembrarem do valor da fraternidade. Por baixo da porta do armário, ele sussurrava que as aranhas podiam morde-los e a dor iria durar vinte quatro horas.As crianças berravam de horror. Ele observava tudo sentado na cama.

Depois da primeira crise, a depressão passou a ser um visitante constante na casa da família. Ás vezes, durante uma ocasião feliz como um jantar qualquer, ele caía no chão, se contorcia, rasgava as roupas, chutava o pé da mesa, derrubando a comida sobre as pessoas que gritavam de dor,devido a temperatura dos alimentos. A esposa pouco falava, pouco opinava. Ela era cristã devota, laços além do amor prendiam ela ao marido, como uma maldição.

Apesar disso, os rapazes foram bem sucedidos em suas profissões. Talvez na ânsia de se livrar logo do pai, eles partiram para cidades bem distantes de Macapá. Alguns voltaram, outros mandam cartões alegres, dizendo como é bom a vida onde eles estão. O pai ri com sarcasmo e diz que eles só o visitaram, quando ele estiver de osso branco.Deus, no entanto, tem um castigo para cada filho ingrato.

Em uma noite dessas, ele teve um sonho que adora repetir para todos: ele estava morto, semi-afundado num dos diversos lagos do curiaú, nu. Apesar de odiar os seus irmãos preguiçosos, aquele lugar ainda é a mais bela das lembranças. O cheiro fresco da lagoa, as garças, o verde, as coisas morrendo e nascendo. Bem, de volta ao sonho, ele estava nu, como eu já citei.O peito para cima. Ele estava boiando da mesma forma que as pessoa bóiam no mar morto, sem jamais afundar.

Sim, a lagoa era mais densa que ele.

Ele estava morto, os peixes comiam a face dele e o resto do corpo até não restar mais nada. Agora ele era os peixes e vice-versa. Nadava em cardume, era pescado, comiam outros bichos submarinos ou não. Nada dispersava o cardume, pelo menos até os bufalos surgirem. Terríveis, gigantescos, eles destruiam tudo o que viam pela frente com o seu trotar interminável. O mato era pisado, as garças voavam, a terra tremia, os frutos caíam das árvores e o cardume era cruelmente separado.

O cardume se dispersava e cada parte dele era separada. A dor era terrível. Terrível demais até para um sonho. Então ele acordava desesperado, ligava o aparelho de oxigênio, enchia a mão de remédios e repetia para si mesmo que a única saída era o trabalho.

quarta-feira, 18 de agosto de 2010

A vida sem vaidade 5 de 5: O fim do voto de pobreza

Quebrei o meu voto de pobreza, um dia antes de vir para Macapá. Ele não fazia sentido, aliás, nunca fez. Meu primo me perguntou de onde eu tirei tal idéia e eu expliquei para ele sobre o que eu vi na tv: Pessoas esmagadas contra a grade, lutando para continuar vivas, livres do tédio. Ele me olhou com bastante pena e disse que me levaria no aeroporto.

Minha vó tinha viajado um dia antes da minha partida. Eu cheguei tão bebado da comemoração do aniversário de um amigo que não pude me despedir dela. No entanto, no pequeno tempo que eu fiquei lá, ela anunciou que faria uma obra radical na casa. Iria por tudo no chão e refazer de novo. Fiquei extremamente chocado e lembrei a ela de que obras estressam todos as faixas etárias. Ela nem ligou.

Eu fui até a unidade de polícia do local e me despedi dos guardas e do delegado. Eu também dei o endereço deste blog e expliquei que eu nunca tinha sido do coletivo palafita. Eles riram e me pediram para eu nunca esquecer do número 190. Eu disse que esse número estava gravado na minha pele de tantos baculejos escrotos que eu levei na minha cidade natal. Eles riram, eu também. Não visitei o posto de saúde devido ao meu trauma com o episódio da van.

Voltei para a casa e olhei para a estante da sala vazia. Uns três dias antes, a minha vó começou o processo de encaixotamento das coisas. Tudo que era inútil era cruelmente descartado. Meus primos , minha irmã e eu passamos o dia todo guardando e jogando coisas foras. Um touca de papai noel que a minha vó usava desde a nossa infância foi a primeira a ir para o saco preto de lixo.

As coisas que tinham ficado na casa que pertenciam a minha tia morta foram quase todas descartadas. Alguns óculos berrantes, uns lenços berrantes, alguns documentos velhos. Eu peguei uma carteirinha velha que tinha uma foto dos tempos da faculdade dela e guardei, em segredo, no meu bolso. Sempre preciso de um souvenir dela.

Uma estátua de um gato preto que eu sempre gostei de ver, desde criança, caiu no chão e foi removida para nós não pisarmos nos cacos. Livros dos tempos da faculdade dos meus tios e da minha mãe foram empilhados e levados para o lixo." Esses livros estão defasados", explicou a minha irmã.

Havia um quadro, perto da escada que a minha vó quebrou a moldura, rasgou a gravura e depois jogou dentro dos sacos de lixo. A regra era se livrar de qualquer coisa velha demais. Dos relógios velhos que ficavam na sala de janta, apenas o mais moderno e adequado( ele mede a temperatura) iria ficar na casa nova.

Biblias e mais bíblias foram para o saco. Assim, como um cachorro de pelúcia que eu gostava de brincar muito na minha infância. Uma boneca estranha que a minha vó chamava de Maria-sete-saias ficou na mesma caixa que nossa senhora de nazaré e uma foto minha de quando eu era um bebê gordinho feliz.Eu imaginei como a obra seria violenta. Sim, seria terrível. Imaginei o vidro das janelas sendo quebrados, as paredes sendo derrubadas por uma máquina qualquer, a escada de madeira sendo despedaçada até não restar mais nada. É triste demais ver um lugar pela última vez.

Eu viajei para Macapá, durante um daqueles vôos da madrugada.Tudo muito tranquilo demais, sem tremores, sem oscilações. Que bom. Uma queda certeira iria tirar a minha vida de forma terrivelmente rápida e eu acho que ainda não quero morrer. Cheguei em casa, esperei pela minha cadela morta para me recepcionar. Ela não veio. Ela morreu.

Eu troquei de roupa e tentei dormir. Não consegui. Fiquei com os olhos fechados, tentando contar carneirinhos, mas eu sempre tenho sonhos terríveis com carneiros. Jesus era um carneiro. Será que um dia, eu vou imaginar vários dele, saltando cercas, enquanto sangra de forma louca? De qualquer forma, não seria bom para dormir.

Depois de um bom tempo, o sono começou a vir. Mas antes, eu lembrei de uma cena. A última cena do Útinga. Um dia, antes das obras da primeiro de dezembro começarem, o governo delimitou que algumas coisas teriam que sair para a nova rua entrar. Muitas pessoas tiveram que mudar de casa. Minha tia mal tinha concluído a construção da casa dela, quando recebeu a notificação que a casa teria que sair de lá.

Uma ávore particulamente grande foi condenada. Sempre achei árvores coisas meio inúteis, afinal, elas não latem, nem emitem luzinhas engraçadas.Um dia, alguém me disse que as ávores, assim como brilho das estrelas, são testemunhas de um passado remoto, distante, incontavel, fora dos nossos padrões de sei lá o quê.

Talvez, seja verdade.

As raízes dessa árvore eram fincadas na terra de uma forma absurda. Fora da terra, elas mediam uns cinco, seis metros de cumprimento. Por baixo da terra, esse tamanho devia ser bem maior. Para derrubar a ávores, foram necessárias muitas cordas amarradas em seu tronco. Os homens puxavam de forma louca para derrubar o gigante.

As pessoas saíram do conforto de suas salas para ver a cena. O chão começou a tremer. As raízes estavam sendo arrancadas do chão.Todos estavam fora das suas casas, quando a árvore começou a cair. Alguns tiravam fotos com o celular e eram assaltados logo em seguida. Era uma cena para recordar.

A árvore atingiu o chão. O som da queda foi amplificado pelos diversos tubos de tratamento de água que haviam por ali. As pessoas tamparam os ouvidos. Uma nuvem de poeira subia e cobria tudo. Uma mulher soluçava. Quando a nuvem de poeira baixou, as pessoas voltaram para as suas casas. Um morador ficou irritado demais pelo fato de ter perdido uma mensagem de jesus dita por um médium famoso.

" O barulho da porra da árvore foi alto demais" afirma o morador.








Selo de ouro




Ai, sou tão tapado que não me toquei desse selo de ouro. Bem, antes tarde do que nunca. O selo de ouro é uma iniciativa para divulgar blogs e também para sei lá...mostrar os blogs que a pessoa realmente admira para outras pessoas.Uma tarefa bem dificil para mim, uma vez que todos as pessoas que eu ia indicar já foram quase todas indicadas. Dessa forma, só me resta o critério de divulgação. Aí vai a minha lista de blogs:

www.marvincross.blogspot.com

www.oandarilho7.blogspot.com

www.neo-ateu.blogspot.com

www.luizflfacanha.blogspot.com

Ao aceitar receber o selo, os indicados devem cumprir quatro procedimentos básicos:

1° Colocar a Imagem do Selo No Seu Blog;

2° Indicar o Link do Blog Que o Indicou;

3° Indicar Outros Blogs Para Receberem o Selo;

4° Comentar nos Blogs de Seus Indicados Sobre o Selo.


Obrigado aos blogs Sindrome de Proteus e Fecal brother pela indicação.eeeeeeeeeee



terça-feira, 17 de agosto de 2010

A vida sem vaidade 4 de 5: O passeio de van

Uma das assistente sociais me ofereceu café e eu recusei por causa do meu voto de pobreza e assim eu fiz com muitos copinhos de plástico que me ofereceram. Teve um momento crítico que eu não conseguia mais recusar e comecei a chorar. Expliquei o meu drama pessoal para as pessoas que estavam lá e elas começaram a chorar e aceitaram que eu não queria tomar café.

Eram seis na van: Eu, uma dentista, uma médica, um assistente de enfermagem, uma assistente social e o meu drama pessoal. Eu cobri o meu lugar na van com um jornal para não contrair as bactérias que as pessoas costumam a soltar pelo ânus e tambem eu levei escondido na minha mochila, dois vidros de alcool gel. Quem lida com a massa sempre está a mercê de doenças terríveis.

A médica perguntou qual era a minha experiência com essas coisas e eu disse que já tinha estagiado em um coletivo de cultura que lidava com algumas pessoas pobres também.Ela perguntou o que era um coletivo de cultura e eu disse que não sabia exatamente, mas o tempo que eu passei lá foi sei lá. Ela aceitou a resposta.

Nós descemos na entrada de uma grande baixada. Eu fiquei horrorizado com a possibilidade de ter que andar por todo aquele inferno e disse a elas que não estava me sentindo muito bem. Elas responderam que nunca se sentiram bem na vida inteira delas. Então nós descemos a ladeira que nem de longe parecia uma ladeira, pois era quase uma linha vertical. Perdi a conta de quantas vezes eu tropecei e todos da comitiva riam de mim. Podem rir, filhos de uma puta.Nunca tinha vindo nesse lugar. Ficava bem antes do portão da COSANPA e nem de longe parecia com o Utinga.

Não sei como esses miseráveis conseguiram, mas eles ainda eram mais pobres que as pessoas da rua da minha vó. Ao invés das casas de madeira ou de barro do Utinga, o que havia era caixotes. Pequenas estruturas de madeira suspensas por 6 ou 8 paus. Eu quis tirar fotos, mas fui advertido dos perigos daquele lugar. Isso é uma favela? Não, não é uma favela, me explicou a assistente social. Perguntei se eles estudavam o que era favela no curso de serviço social e ela me olhou de forma assassina.

A primeira casa que nós visitamos ficava nos fundos de um açougue em que uns pedaços de carne ficavam no balcão em contato com as moscas.Devia ser algum tipo de propaganda especial mostrar que até as moscas preferiam a carne desse açougue em detrimento dos outros. Tampei os meus olhos com a mãe, fingindo me proteger do sol. Sem sucesso, uma criança pegou um pedaço de carne do balcão e começou a jogar para outra, começando um jogo hediondo que me causou ânsia de vômito.

Quando chegamos a casa-alvo, eu já estava tão enojado que mal conseguia ficar em pé. O dono da casa não tinha um braço e o nome dele era a junção do pai, da mãe, de uns tios e de algum telescópio famoso. O dos filhos idem. O da mulher era Vânia. Todos foram examinados pela equipe. Quando uma das crianças abriu a boca, a dentista olhou com aquela cara que os médicos de filme de câncer fazem quando o paciente ja está careca e em estado terminal. A assistente de enfermagem perguntou se eu não queria perguntar nada e eu disse que não. O dono da casa chamou a atual prefeita de lésbica e se despediu de nós.

A médica me advertiu de que eu não estava cumprindo a minha tarefa como jornalista e que eu não deveria deixar passar essa chance de estar cara a cara com a pobreza. Eu assenti de forma educada, desejando que ela morresse na minha frente. Ela e todas aquelas pessoas desgraçadas.Chegamos a segunda casa. Aliás, "casa". Um caixote suspendido por umas vigas embaixo. De lá, saiu uma mulher e três filhos com as caras bastante entediadas. Peraí, pobre não se entendia porque vive se fodendo? Não foi por isso que fiz esse voto idiota. Fui entrevista-los.

O nome da senhora era o nome do pai+o nome da mãe+ o nome de uma vacina famosa. Perguntei algumas e descobri que ela morava no Telegrafo, mas teve que se mudar de lá por causa do pedágio. Pedágio para quê? Para ser fodida? Ela me explicou que os meliantes do Telegrafo cobram pedágio, depois de um certo horário e ela não queria mais ter que conviver com essas coisas. Perguntei do pai das crianças e ela disse que foi unzinho que ela conheceu por aí. Eu disse a ela que as repostas estupidas que estavam sendo dadas a mim estavam fazendo voltar a minha vontade de me matar. Com força total.

Terceira casa. Altos e baixos. Um mulher loira desceu de lá. Nossa, se esse lugar fosse um complexo penintenciário, ela seria a Rita Cadillac. Ela cochichou com a médica que chamou a assistente de enfermagem. Devia ser DST. Essas velhas loiras vadias sempre tem DST. Aliás, toda loira tem.Se você é morena, a DST vem junto com a tintura. Amarelo na cabeça, amarelo na buceta. Vadias, desgraçadas, imundas, vagabundas. Dentro da casa havia um tapete brega, umas fotos de Jesus na parede e um quadro imenso com um tigre com a boca aberta.

As três saíram do quarto sorrindo. Vadias. Deviam ter fodido de forma louca enquanto eu estava padecendo lá, destruído pelo meu voto de pobreza. Comecei a lembrar do meu horror da minha existência e vomitei diante de todos. A mulher loira me acompanhou. A assistente social virou o rosto, constrangida."Não vomito, mas vomito com pobreza. Me desculpem" dizia eu, enquanto limpava o vômito com o meu bloquinho de papel.

A equipe me ajudou a sair da casa da mulher loira. O sol era o de meio dia. O suor escorria como uma cachoeira no meu rosto. Eu tambem sentia os pêlos da minha virilha aderindo de uma forma terrível com o suor. Assaduras. Eu precisava de uma pomada para assaduras que eu sempre uso nessas situações. Eu disse para a enfermeira e ela me olhou com repulsa.Eu expliquei a ela que não era viado, mas naquele momento, a pomada era essencial para a minha existência.

"Não era assim o seu trabalho no coletivo palafita?" perguntou a médica." Não, não era assim. Não tão degradante. Se tratava apenas de alguns músicos, poetas e fotografos pensando em fazer festas para as pessoas. Existe muito iguais ao coletivo no país, realizando festas, animando o coração das pessoas com lindas músicas, peças de teatro, editais de cultura e coisas do tipo. Eu não era exposto a tanto horror, a tanta degradação. Me sinto o último dos desgraçados nesse lugar terrível. A van está tão distante agora, assim como o coletivo palafita, aquelas pessoas alegres, cheias de um amor sem igual.Não há mais amor, nem esperança. Eu estou nu diante do olho de fogo" expliquei para a comitiva médica que agora me chamava de promoter gratuíto.

A nossa próxima parada era uma casa com dois idosos na frente. Ele capinava uma pequena porção de grama. A mulher estava sentada com três gatos e mais quatro no chão. A pressão dela e do marido foi medida de forma entediada pelos enfermeiros. Eles pareciam entediados. Pobres, fodidos, mas extremamente entediados. Ao ver o tédio deles, a minha euforia foi diminuindo mais, assim como o suor da minha virilha. A senhora nos ofereceu um pouco de água. Água água mesmo, sem gás.Voltamos para a van que saiu daquele lugar aos tropeços, fazendo as minhas hemorróidas sangrarem.

quinta-feira, 12 de agosto de 2010

Vida sem vaidade 3 de 5: A quadra.

Minha vó me acorda com muita violência. Tenho vontade de mata-la. A noite passada tinha sido algo realmente violento, eu me embriaguei com muito álcool e tinha dado um passeio assassino com os meus primos pela cidade tomando vodka Absolut, quebrando o meu voto de pobreza. Minha vó raramente acorda cedo, quando jovem , ela morava em um interior terrível em que as pessoas quebravam o pescoço de garças para sobreviver. Ela deve ter quebrado o pescoço de muitos outros bichos devido a frieza terrível que ela demonstra com tudo. Meu avô, um adolescente doente como eu, se apaixonou por aquela selvageria e a tratou como se fosse uma princesa negra.

Deu a ela todo o luxo que precisava: Empregada doméstica, carne de primeira e umas vilas para ela administrar, coisa que ela fez muito melhor que ele. Uma vez, um grupo de meninos morou em uma das casas que ela alugava, eles demoravam muito a pagar e isso a irritava profundamente. Uma dia, ela pediu a uns amigos mal-encarados dela para fazer a despeja dos homens. As coisas dos rapazes foram jogadas no meio da rua e ela jogou na borboleta (numeros 14 e 15) e ganhou um bom dinheiro com isso.

Quando eu era criança, ela era a minha figura favorita. Bem diferente da minha vó materna que adora chorar pelo horror do mundo, minha outra vó odeia bichas, frouxos, mulheres duvidosas, rapazes duvidosos, crianças mal- criadas e coisas assim. Ela ri pouquíssimo e explica que mulheres que passam tempo demais rindo são prostitutas vadias. Homens que passam tempo rindo demais são viados. Crianças que passam tempo rindo demais serão futuros lésbicas/viados e por aí vai. Ela sempre me considerou uma criança extremamente doente.

Primeiro foi a minha asma que me impedia de brincar com as outras crianças e me deixava um pouco amarelo e cheio de olheiras demais. Ela recomendou a minha mãe que comprasse um aparelho de aerosol para eu usar em casa, minha mãe comprou mas não me ensinou a usar. Nas noites em que ela ou o meu pai saíam , eu passava a noite padecendo de asma, pois a nossa empregada não sabia contar as gotas de berotec.

Minha vó me ensinou a fazer a nebulização. Ela enchia frascos vazios de berotec e atrovente com água e fazia eu colocar as gotinhas do jeito certo, sempre contando para não passar da contagem certa. Meu pai ficou horrorizado, ao ver eu me curar de uma crise de asma sem ajuda de ninguém aos seis anos de idade. Bem, isso não é planeta Góes, vamos voltar a manhã que eu fui acordado de forma brusca.Minha vó me chamou para ver algo e eu fui, semi bebado, com ela até a calçada.

Um rapaz esfaqueado jazia lá. Meus primos já estavam lá há algumas horas. Para entrar no clima da coisa, eu comecei a vomitar. O circo se armou logo: Umas moças completamente descabeladas surgiram do nada, gritando como loucas e balançando o cadaver e perguntando a ele como isso pode ter acontecido, o cadaver respondia melando as roupas dela de sangue e baba. " Ele cagou na calça, além de bandido, ainda era viado" concluiu a minha vó. Perguntei o motivo dessa indagação e ela respondeu que viados, geralmente, tem o cu frouxo.

Os outros vizinhos começaram a chegar e o rapaz que vendia coxinha tambem. Ele me ofereceu a coxinha, que estava mais nojenta que as calças do cadaver , por dois reais. Eu recusei, justificando com o meu voto de pobreza. A viatura apareceu uma hora depois de eu ter visto o corpo pela primeira vez. Deu duas voltas inconclusivas em volta das pessoas e foi embora, depois passou de novo com o vidro abaixado e os policiais olhando com um olhar cruel e ameaçador para as pessoas e sumiu de novo na esquina.

Uma senhora, amiga da minha vó, conhecida como dona Neida, mãe de 6 filhos, ex- funcionária pública, mas que agora trabalha em uma banca do JB trouxe um lençol e jogou em cima do morto."É o sexto lençol que eu uso para cobrir um morto aqui. Me parte o coração, mas a funerária ou a família sempre me repõe com um lençol novo ou algo mais bonito como esse vaso de flores artificiais que eu ponho aqui no lado da minha banca de jogo do bicho.Toda vez que eu risco o quadro com o giz, eu olho para esse vaso e lembro de quando vi uma margarida de verdade. Naquela época, as montanhas eram jovens e os pássaros cantavam coisas tão lindas que faziam o meu coração encher de uma esperança, que hoje ,não existe mais nesse mundo. Onde está o cheiro do orvalho da montanha? Onde está a canção dos pássaros? Será que tudo isso se perdeu na nossa arrogância? Na nossa paixão pelo sexo? Pelo efemero? Como fomos nos tornar tão vazios? Tão ocos?" ela explica.

A ambulância chega duas horas do morto ser descoberto. Dois funcionários eficientes entubam o morto. Minha vó ri. Eu vomito. A unidade de polícia envia dois policiais que interrogam a minha vó e os meus primos sobre o ocorrido. Eu também sou interrogado, mas contribuo bem pouco por ainda estar semi-bebado. Pergunto ao policial se posso ir a unidade outra vez para uma segunda visita e ele diz que as portas de lá sempre estarão abertas para a imprensa, desde que essa não seja marrom.

14 horas da tarde, eu sigo para a unidade de polícia. Do lado, dois cavalos mortos são arrastados para a carroceria de um caminhão. O sangue deixa trilha por onde passa. Eu vomito mais um pouco. Lá dentro, eu sou recepcionado pelo delegado que afirma ter gostado muito do blog do coletivo palafita que eu indiquei na minha última visita a delegacia como o meu local de trabalho. "O senhor não viu nada. A cultura é algo lindo" eu concluo. Sem querer falar mais sobre isso, eu pergunto mais sobre o crime ocorrido pela manhã.

Ele me explica que o elemento conhecido como gringo morreu por causa de um acerto de contas por causa de drogas ("muito normal") e que isso ocorre em uma média de 5.67% arrendondando para 5,75% ao ano no bairro.Mas a policia e o DENARC estão preocupados mesmo é com a incidência de crack que só aumenta. A média de bocas de fumo que foram estouradas e continham crack nos seus inventários chega a ser 13,5%. Outro fator terrível é hereditariedade dos hábitos do tráfico. No utinga, não existe ditado mais adequado do que aquele do filho do peixe e a sua sina.

Crianças de dez, onze anos já são habeis traficantes treinados pelos próprios pais para a distribuição de drogas. Não é raro que filhos adotem ideologias de tráfico diferentes das dos pais e os executem para poder seguir em frente com a sua carreira no mundo da distribuição de drogas ílicitas.

O morador Heitor montou uma quadra poliesportiva para as crianças fazerem outra coisa que não seja se drogar ou pensar no mercado das drogas. Ele organizava ,com a mulher e mais as duas filhas, diversas atividades para entreter as crianças. A quadra vivia lotada de adolescentes de todas as idades. A quantidade subia e subia. Heitor era citado na igreja Quadrangular, onde cultuava Deus, o rei dos hebreus, algoz do Egito. Um dia, ele chegou em casa e surpreendeu a mulher levando no cu de forma violenta na cama de forma de coração deles dois. O sangue gotejando sobre os lençóis.

Para piorar, a quadra poliesportiva virou Gomorra. Os traficantes locais se reuniam e vendiam drogas para as crianças novas.Loló para as meninas; maconha para os universitários do bairro;cocaína para os meninos ricos dos condomínios próximos ; merla para os amapaenses que choravam pela terra amada e crack para as crianças. Com o tempo, a quadra passou a ser sodoma também, alguns travestis passaram a fazer programas lá, sujando os lençóis de toda a cidade das mangueiras de sangue.

Heitor fugiu do bairro. A quadra foi fechada e destruída. " Admiro a posturas como a do senhor Heitor, mas essa terra só será livre do mal, quando o oceano engulir tudo" explica o delegado. Eu concordo e reparo na cafeteira que não para de pingar.




























quarta-feira, 11 de agosto de 2010

Vida sem vaidade 2 de 5: Santo Antônio

Meu voto de pobreza foi quebrado inúmeras vezes. Não consigo manter promessas, nem votos, nem contratos, nem nada assim. Por essa razão, eu resolvi mante-lo apenas em casa ou quando saía atrás de coisas interessantes para escrever aqui. Eu estava começando a irritar seriamente a minha família com mais essa invenção, eu já os irrito com as minhas cento e cinquenta manias e agora com mais essa "invenção de moda", eles estavam ficando bem mais irritados que o normal.

Eu nem ligava.

Pedi uma indicação da minha avó de alguém suficientemente interessante para entrevistar e ela se indicou. Eu expliquei que ela não era uma boa idéia, eu procurava alguém mais distante de mim para escrever para os meus leitores que deviam estar cansados de ouvir falar apenas sobre a minha família e coisas relacionadas a minha pessoa.Ela me fitou com desprezo e me indicou as lésbicas coveiras que moravam no ramal, uma área terrivelmente perigosa que ficava em uma das diversas bifurcações do utinga.

Este ramal é um lugar realmente perigoso. Meu coração gela ao digitar sobre ele. A obra da primeiro de dezembro dividiu o utinga em dois. Do lado de cá da pista fica a casa da minha vó com casas de madeira e alvenaria com moradores de classe média; do lado de lá fica o ramal, o pantanal e outras areas perigosas. A entrada para esses lugares se dá através de uma pequena rua cheia de pequenos miniboxes, açougues, pessoas vendendo coisas em carrinho de vender coisas, populares mal encarados, barracas de peixe e coisas do tipo. Depois de passar por essa pequena rua, uma igreja universal maior que todas as casas do local surge, por trás dela começa um labirito infinito de palafitas semi-podres.

Andar na madeira faz a mesma ranger, andar devagar também, respirar idem. A tal casa funerária fica além dessas palafitas, em um local chamado pantanal. Após visualizar o local, o nome fica óbvio: um pequeno pântano com água por todos os lados. Ao chegar lá, fiquei extremamente preocupado por não achar a maldita funerária. Comecei a pensar que era uma emboscada da minha avó. Sentei em um banquinho e comecei a me sentir mal, usei o meu foradil para manter o ar saindo e entrando. Eu pedi ajuda a um homem que estava passando por lá e ele me apontou a tal funerária e me acompanhou até lá, não sem antes de perguntar se alguem de mim quem eu era.

Eu olhei para ele e disse que era jornalista. Ele perguntou de que jornal e eu expliquei que eu tinha um blog. O que é um blog? Fiz uma cara séria e comprometida para ele achar que se tratava de algo importante. Ele me disse que se eu quisesse saber de algo importante, eu devia perguntar sobre os OVNIS que rondavam a área. Pelo amor de Deus. Ainda bem que chegamos a tempo antes dele me falar mais sobre. A funerária ficava em um lugar realmente desolado e esquisito. O lugar era meio grandinho e tinha uma garagem que comportava dois carros, uma pequena sala com caixões, uma outra que servia para velar os corpos, dessa última sala saía uma extensão que ligada a outra extensão fornecia energia ao letreiro FUNERÁRIA SANTO ANTÔNIO.

Bati, bati e ninguém atendeu. Um vizinho que morava ao lado em uma casa de barro disse que as moças estavam viajando para Salinas. Vadias lésbicas. Salinas. Como posso continuar o meu estudo sobre a pobreza com lésbicas que viajam para um litoral? Isso parece Macapá. Decidi voltar para casa, mas antes, o vizinho das lésbicas perguntou se a minha vó era a minha vó. Eu disse que era e ele me perguntou o que eu queria com as lésbicas e eu contei o meu plano de falar sobre a pobreza em cinco lindos posts. Ele me encarou e disse que viados e lésbicas não sabem o que essas coisas são, pois vivem em constante pecado.

Jesus Cristo sabia o que era pecado. Na sua triste infância, ele deve ter comido muitos lagartos e coisas terríveis. Eu perguntei onde Jesus passou estava nessa epoca para comer lagartos e tudo mais. Ele disse que Jesus morava na África nessa época. Eu imaginei leões e macacos com jesus, mas depois lembrei que o Egito ficava no continente africano e jesus tinha fugido de Herodes pra lá. Para o meu horror, ele saiu da sua janela e veio me explicar pessoalmente toda a trajetória da fuga de cristo em evangélico apócrifo que ele leu no inferno.

O dia foi passando rapidamente, o céu escurecendo, os grilos cantando e agora eu estava ouvindo sobre como o profeta Paulo conseguia notar a exaltação das pessoas para quem ele pregava, mesmo sendo um cara cego. De vez em quando, uma mosca ou um mosquito voava tão perto do meu ouvido que o zumbido me deixava com vontade de estraçalhar, matar e estuprar (não nessa ordem). Perguntei se ele não tinha repelente OFF para eu passar nas minhas pernas e ele disse que tinha uma vela de andiroba.

O cheiro imundo da vela me deu ânsia de vômito. Ele me disse que ele mesmo fabricava as velas desde 1987 com o irmão. Eles manufaturavam as velas, encaixotavam e vendiam para uns paulistas que faziam pesquisas no parque do Utinga para descobrir novas espécies de sapos. Um dia, ele ouviu os biólogos conversando sobre como matam macacos com solução salina e isso apavorou ele e irmão. Eles passaram a ficar preocupados com medo de que os paulistas fizessem o mesmo com eles. O único jeito era matar os desgraçados antes que isso acontecesse.

O irmão dele não precisou dos paulistas para morrer. Uma tarde qualquer, ele caiu de cara na lama e ficou lá apodrecendo. As vizinhas lésbicas chegaram pela noite e encontraram o pobre homem já morto na lama. O velório foi realizado na funerária delas. Para essas ocasiões, elas vestiam roupas decentes, explica o velho. Uma usava um vestido e a outra, um terninho. Fêmea e macho. No mesmo dia, um bebê do ramal também tinha morrido. Ele foi velado em um pequeno caixão branco. A mãe não chorava pelo fato desse ser o segundo bebê que morria em sua prole, talvez ela estivesse aliviada com o fato de ter menos despesa que o normal com outra criança.

Dois velórios aconteceram ao mesmo tempo. O da criaça, totalmente lotado e o do irmão do velho com uns gatos pingados. As lésbicas se revezavam de forma eficiente para administrar o velório simultâneo. Ás 18 horas desse dia, o primeiro cortejo saiu do local. As pessoas iriam pelas palafitas e as lésbicas levariam os caixões por uma rota que acabaria também no portão da COSANPA, no fim, todos iam se encontrar e seguir para o enterro em algum cemitério popular.

Até hoje, ele paga a manuntenção da sepultura. Pedi para ir embora para casa e o velho me acompanhou até a primeiro de dezembro. Atravessei a rua para a casa da minha vó, tomei banho, pedi pizza e dormi no ar-condicionado. Eu tinha quebrado meu voto de pobreza outras, mas quem liga?


segunda-feira, 9 de agosto de 2010

Vida sem vaidade 1 de 5: O voto de pobreza.

O dia de quem é entediado é extremamente longo. Eu nunca trabalhei na vida, nem tive nenhuma obrigação. Em casa, nós sempre tivemos empregada doméstica, o que me livrou de obrigações terríveis como lavar a minha própria cueca ou, na pior das hipoteses, lavar o prato que eu como.Este ócio magnifico é ótimo para a minha criatividade, pois como eu não tenho nada para fazer, eu me dedico a ter idéias, no entanto, não gosto de executa-las. Dá trabalho demais.

O ócio também desperta a minha depressão, como eu não tenho nada para fazer, eu me dedico a ficar terrivelmente deprimido o dia toda. Eu choro pelo horror do mundo, pelos judeus do holocausto, pelas crianças da África e pelo meu próprio drama pessoal.Ás vezes, gosto de dizer a minha mãe que vou me matar, ela fica arrasada e eu me divirto um pouco. Pena que não dura o suficiente.

Um dia desses, estávamos vendo na tv um multirão de pobres sendo prensados contra um portão por causa de um vale-comida qualquer. Alguns deles sangravam bastante e outros estavam prestes a sangrar dessa forma, o que importa nisso tudo é que eles não pareciam entediados.Comentei isso com a minha mãe e ela respondeu que quem é fodido não se entedia, pois precisa sobreviver. Que inveja, eu disse em voz alta. Ao ouvir isso, a minha mãe começou a me humilhar dizendo que eu não conseguiria passar um dia de pobre porque sou mimado e extremamente alienado.

Talvez, ela tenha razão, mas na hora eu quis desafiá-la e disse a ela que eu entraria em um voto de pobreza, onde eu iria sobreviver apenas com o necessário para a sobrevivência.Minha mãe e a empregada riram.Riram bastante. Minha mãe sugeriu que trabalhar fosse um remédio melhor que essas minhas idéias ridiculas.Eu apontei o dedo para ela e disse que o meu drama pessoal jamais deixará eu arranjar um trabalho, depois mudamos de assunto e falamos a respeito do muro do nosso vizinho que foi pintado de roxo.

Rimos bastante do muro e de como o vizinho é corno, crente e retardado. Depois, eu resolvi dormir para curar o sono de quem passou a noite na internet. Chorei um pouco e afundei em sono sem sonhos. Acordei com a alma destruída pelo horror da existência e resolvi ler um bom livro. O voto de pobreza tinha sumido da minha mente, pois eu estava pensando em que passeio vazio, eu iria fazer na sexta-feira e de como eu seria terrívelmente falso com todos que viessem falar comigo.

Sou o melhor dos sociopatas. Gosto de reunir um grande grupo a minha volta com piadas e auto- degradação para me sentir vivo, quando essas pessoas se afastam de mim, eu volto a ser triste, deprimido e chorar pelo horror do mundo. Quando as pessoas permanecem, o tédio me domina e eu sinto ódio de cada uma delas.Mas não tenho coragem de dizer isso a elas, dá trabalho demais.

Chegou sexta feira. Me reuní com um grupo de adolescentes com um violão( que eu odeio). Eles estavam particulamente alegres naquele dia. Jovens alegres significa bastante papo imbecil e foi o que, de fato, aconteceu. Os assuntos variavam da pura idiotice a pura panaquice. Momentos iluminados, até que eles começaram a falar de relacionamentos.Ainda bem que eu estava realmente bebado.

Uma mocinha de quinze anos começou a auto-analisar o seu carater nas relações que ela mantinha. Sem coração, era como ela se definia.Os seus namorados e pretendentes eram todos amarrados em uma teia de enganação e mentira criados por ela, uma moça sem medo de ser feliz. Enquanto ela dizia isso, ela acendia o cigarro e gesticulava com uma mão só para demonstrar segurança as outras meninas e elas aplaudiam.

Outra moça, de dezoito, explanava o quanto o ex-namorada era poético e psicopata. Enviava a ela os mais lindos poemas sobre montanhas, flores, animais e criaturas gregas no inicio do namoro e no fim, explicava a ela em versos como iria fatiar a sua carne e depositar em pequenos vasos de plantas. As outras meninas exclamaram assustadas e disseram a ela que foi uma boa idéia ter se livrado de alguem tão doente.

O mais chocado da roda era eu. Não com o relato do namorado psicopata ou da menina debutante que se fazia de puta vazia, mas era com o que eu estava fazendo naquele lugar tão idiota com aqueles projetos de adultos que eu sempre odiei durante toda a minha vida. Se eu continuasse assim, o meu futuro ia ser uma corda, um bala na cabeça ou um saco de chumbinho. Voltei para casa desolado. Meu coração destruido.Deitei, mas demorei a dormir. Para piorar, minha mãe tinha marcado uma viagem idiota para Belém do pará, uma cidade que eu odeio.

Pela manhã, eu acordei decidido a voltar com o meu voto de pobreza e pior, iria mergulhar brutalmente no mundo da pobreza, onde as pessoas não são entediadas porque vivem fodidas demais, e iria fazer uma magnífica reportagem e estudo da pobreza em cinco capítulos. A terrível viagem para Belém iria cair como uma luva porque o lugar onde eu fico lá é uma boca de fumo habitacional.

Minha viagem era as cinco da manhã de um dia, eu comecei o voto de pobreza ao meio dia do anterior. Para começar, desliguei o ar-condicionado e tirei os lençóis da cama. E empregada teria que lavar as minhas roupas ainda ou eu descontextualizaria do seu papel na minha casa. Fiquei ansioso para viajar e comecei a suar bastante, sem poder ligar o ar-condicionado, eu usei um leque do círio,mas o esforço com o leque me fez suar mais ainda.

Então tomei um banho, dois banhos, três banhos ( sem sabonete por causa do voto) e fiquei na frente da minha casa para pegar o vento da lagoa. Bem, vamos pular essa parte para não ficar prolixo demais.Como já citei antes, o bom jornalista precisa ser objetivo.Vamos pular para o lugar que é alvo desse genial estudo da pobreza em cinco partes.

O lugar onde eu fico em Belém é conhecido pelos moradores antigos e pelas pessoas de fora do bairro como utinga, devido a mata com o mesmo nome que fica bem em frente ao bairro, protegida pela empresa de agua de Belém, a COSANPA. Hoje, o lugar é cortado por um alargamento da rua (ou será avenida) primeiro de dezembro, uma obra que demorou uns dez anos para ser concluída,e integrou o lugar ao resto da cidade.Nem sempre foi assim. Antigamente, quem quisesse sair do bairro que não fosse pela entrada, iria andar, andar, andar, ver casas pobres, pessoas pobres, hortas, árvores gigantes até se tocar que estava voltando ao mesmo lugar de onde saiu, o portão da COSANPA.

Minha família chegou lá nos anos 60 ou 70, minha mãe já era nascida. O lugar era um matagal fechado, poucas pessoas ousavam a morar lá. Como era perto da COSANPA, milhares de tubos enfeitavam a paisagem do local. Meu avô demarcou uma grande parte de terreno e registrou como dele, aliás, ele e a família dele fizeram isso com outros terrenos em Belém. Nesse terreno imenso, ele construiu uma casa confortavel para a familia e no resto do terreno, ele construiu várias vilas com casebres de tamanho variado. Há uma vila lá que tem casas de dois andares, o andar de baixo feito de barro e o de cima com madeira, há outra que as casas são especialmente pobres, pequenas e feitas de barro e no fundo, outra mais pobre ainda com casas de madeira, fossas ao céu aberto.

Os primeiros habitantes do local conseguiram fazer casas confortaveis, o mesmo não aconteceu com o resto. O IPTU e outras coisas foram enxotando as pessoas do centro da cidade e de outros bairros mais populares da cidade e o jeito foi todos se embrenharem em lugares mais, mais, mais...Ai, porra, a palavra não me vem a cabeça. O fato que o mato foi sendo invadido mais e mais, criando muitas bifurcações para direita, esquerda e para baixo(?). A população crescente não teve como ser atendida pelos orgãos públicos da cidade ,que estavam ocupados em cuidar de muitos focos parecidos como esse, e acabou criando habitações bem diferents do padrão Belle Epoque que há no centro da cidade.

A criminalidade é piada interna entre os moradores. Em 2005, quando fui prestar vestibular e voltei de lá devido ao meu drama pessoal, houve uma pequena saga de sangue, horror e destruição. Pinga-fogo, um dos bandidos mais conhecido do lugar, teve um dos seus filhos morto em um tiroteio. Acerto de contas. O rapaz , que apesar dos 13 anos, era extremamente violento, estava copulando com a sua namoradinha, quando levou uns três tiros na nuca e uma facada no intestino só para descontrair. A moça saiu correndo com muito medo e alguns meses depois estava grávida do assassino do namorado morto.

A morte do rapaz gerou uma onda de assassinato e horror. Era muito normal, os jovens estarem fazendo um piquenique de crack quando um louco pulava no meio e metia facadas em todos. Civís eram metido na guerra tambem, afinal se você não se interessa pela guerra, ela se interessa por você, dizia um pensador aí. Um rapaz que estava visitando a namorada no dia dos namorados levou 26 facadas e foi escondido dentro de cano, lá ele passou um bom tempo apodrecendo e sendo comido por animais, quando foi descoberto, ele estava meio podre demais. Caixão fechado.Ao saber da morte do rapaz, a minha vó jogou CARNEIRO 26 na banca JB do local e ganhou uns 300 reais.

As mortes só foram findar quando o bendito assassino do filho do pinga-fogo foi morto com uns tiros no peito. O próprio pinga-fogo saiu derrotado do Utinga, destruido e com a família quase toda assassinada, ele resolveu ir morar em cayena, onde vive até hoje. Ninguem mais soube notícias dele, Ninguém mais quer saber notícias dele.

A polícia mantem uma postura meio sei lá em relação a violência: "Acontece, sempre aconteceu. Eu nasci aqui e vi as pessoas boas virando doutores e as pessoas ruins virando bandidas. A média de assaltos aqui é de 2,25% arrendondando para 2,5% e é uma média normal, eu acho.Na doca é mesma coisa. Andar em qualquer na rua é 3,25% para 3,75% de chances de ser assaltado. Não podemos estar em todos os cantos, as pessoas tem que se prevenir. Ontem, uma moça chegou com a orelha rasgada. Porra, andar de argolão na passagem cruzeiro não tem condições. O paraense é muito esbanjador. Mostra mais do que tem e só se fode"explica o delegado.

Esqueci de dizer que esse relato é do meu segundo dia em Belém do pará, quando eu emprestei um gravador do meu primo e fui até a delegacia do local que fica do outro lado da casa da minha vó. Lá, eu disse que era jornalista, eles acreditaram e me ofereceram café, eu recusei por causa do meu voto de pobreza, eu pedi água da torneira. Quando a água caiu no copo, ela veio misturada com barro suficiente para fazer aquela cena famosa do filme GHOST. Os policiais do local foram super generosos comigo e se mostraram bastante felizes em mostrar as suas habilidades, como aconteceu na hora em que fomos visitar um local intermediário entre o hall da delegacia e as celas.

Lá estava um rapaz de 17, 18 anos com a cara sangrando, embaixo dele havia muito papel higienico para conter o sangramento. Ao ver a cena, eu percebi que a melhor coisa da vida é não ter momentos existenciais inúteis e se meter em aventuras desnecessárias e incômodas. Pensei em dizer que tinha que ir ver a minha avó ou algo assim, mas do lado do "elemento" havia dois policiais bastante orgulhosos, meio que exibindo a caça para o gordinho com cara de idiota.Eles disseram que o nome do homem era chimbinha e tinha sido surpreendido roubando a casa de uma senhora do bairro, mas teve o azar de ter sido surpreendido pelos populares que "meteram o caralho"nele.

"Vamos mandar ele para um hospital, nenhum homem morreu aqui quando eu estou de plantão", explica o delegado. "Vai melhorar depois disso né, chimbinha? Vai cortar essa mecha do caralho, vai trabalhar e ter uma vida decente" declama o delegado."Gluuuurp (vomita sangue) eu...grlurrrrp( mais sangue)" concorda o elemento. O delegado me pergunta se eu quero saber de algo pela boca do próprio chimbinha e eu digo que não, as poucas palavras que o acusado falou, foram suficientes para mim. O delegado dá uma risada cristalina que acende nos seus subordinados a vontade de obedece-lo.

Ele pergunta em que jornal, isso vai ser publicado. Eu digo que tenho um blog e que por enquanto, eu estou desempregado. Ele pede o endereço do blog e eu dou o do antigo blog que eu participava e peço para eles aguardarem a minha postagem sobre o dia em que eu fui lá e passei duas horas e meia com eles. Os policiais sugerem uma foto para a ocasião e eu nego por causa do meu voto de pobreza. Os astros da foto devem ser eles.

Eles tiram o chimbinha do banco e colocam ele em algum lugar que eu não sei. Limpam o sangue do chão com pinho sol. O banco sujo é limpo com óleo de peroba e brilha como novo. O delegado senta no centro do banco e os policiais da unidade ficam em pé com rostos orgulhosos e austeros.A mulher que fáz o café tambem é chamada.Doido para sair de lá, eu bato a foto. Uma foto que eu jamais vou postar.











domingo, 8 de agosto de 2010

Planeta Góes 9 de 9: O homem sorridente

Uma família de negros mora na rua da casa da minha vó paterna. Eles moram em um casebre de madeira menor que o meu quarto.Duas portas e quatro janelas. O casebre é derrubado de dois em dois anos, pois a madeira precisa ser trocada por causa da tinta dos numeros dos candidatos que sempre enfeita a fachada da casa.

Um dos filhos é flamenguista. Ele sempre ameaçou atear fogo no corpo nas derrotas do time. Um dia, o time perdeu. Ele ateou fogo no irmão caçula.Queimaduras de terceiro grau. Alguns me disseram que a pele estava tão queimada que, de vez em quando, umas bolhas estouravam.

Igual bacon, quando se coloca muito óleo na frigideira.Eu adoro bacon.

A matriarca da família tem um pé torto e tem dificuldades para andar. Ela se apóia em uma bengala, mesmo assim, ela teve sete filhos.Conheci muitas pessoas que são deficientes e mesmo assim tem filhos. Acho que transar com aleijados era uma tendência na época.

Na época de eleição, um homem sorridente sempre visita a familia. Beija o rosto das crianças sujas, comenta com os habitantes da casa que o chão precisa de um tapete novo,traz um nova dentadura para os idosos. Ele almoça uma comida que ele jamais engoliria na sua própria casa. Os dentes das crianças, podres e sujos de farinha, lhe desperta um nojo profundo.

As pessoas da casa começam a listar as dificuldades da família. Muitas dificuldades. Uma das filhas da senhora aleijada sorri de forma insinuante. Ela é lésbica, porém, nos anos de eleição, ela muda de idéia. Ele já comeu ela em um motel com espelho no teto. Os amigos ficaram impressionados com o relato de como a buceta dela peidava enquanto ele a penetrava.Será que eles teriam a mesma reação ao saber que ele se lavava mais que o normal depois de fazer sexo com a moça?

Um cachorro marrom de três patas manca pela casa. Ele espera pelos restos do almoço. Um dos rapazes joga um osso para ele e o animal manca loucamente atrás. A família ri. A velha aleijada é a que ri mais alto. Ela se indentifica com o cachorro aleijado. Irmão de causa. Falar de cachorros é doloroso demais para mim.

O homem sorridente tira milhares de blocos de papel do carro. Papéis cheios de rostos com uma expressão de felicidade tão vazia quanto a dele.O sorriso demonstra confiança. Se um dia, o leitor for atropelado, quebrar vários ossos do corpo, cair na lama e encontrar um desses santinhos, certamente, a confiança de dias melhores virão a sua mente.

Os habitantes da casa recebem os papéis. O cheiro de algo novo invade a casa. Os rapazes mais fortes tiram galões de tinta do carro, mas são proibidos de usa-los, pois são analfabetos e podem trocar os números. Uma das crianças tenta fazer um barquinho com os papéis, mas é espancada pela mãe.

A estratégia de distribuição de santinhos é minunciosamente explicada . As moças que sabem escrever, irão cuidar da pesquisa de opinião.O homem sorridente explica que é bom comprar roupas novas para o ofício.Tudo explicado e ele deixa a família. Abraça cada uma daquelas crianças imundas. Muitos beijinhos na bochecha. O vômito sobe, mas ele se controla.No caminho para casa, ele refaz o seu esquema mental com o intuito de saber se não esqueceu nada.Não, ele nunca esquece.

Em casa, ele chama a empregada. Ele já comeu ela também em um motel com espelho no teto. Os amigos ficaram impressionados com o relato de sexo anal. Hoje , no entanto, é uma ocasião diferente. O filho dela de 19 anos se enforcou. Ele se finge de pesar e afirma a empregada que irá ajudar no que for preciso e dá um bloco de santinhos para ela. O homem da foto sorri para a mãe do rapaz morto e ela sorri para ele. Conforto.

A empregada agradece a atenção. Ela diz que nunca esperava isso do filho. Ele tem vontade de rir com a ingenuidade dela. Nós dois temos. Mesmo assim, ele diz a ela que essas coisas são normais, todo homem deve ter tido isso, para finalizar ele culpa uma garota qualquer. A empregada pensa, pensa, pensa e acaba constatando que não sabe o motivo da morte do filho.O mesmo vai acontecer com ela daqui a alguns anos, quando ela cair em uma festa de família. Os médicos vão olhar, olhar, olhar e depois vão comprar alguma coisa para comer na esquina.

A casa dele é grande. Nove portas e umas quatorze janelas.A esposa dele possui a tradicional beleza amapaense. Ele não sabe quando deixou de ama-la.Ele não faz amor com ela em um quarto de motel com espelho no teto. A rotina acaba juntando os dois na mesma cama. Existe um retrato de Jesus na parede. Um jesus crucificado e extremamente entediado. Outras imagens sagradas se espalham para casa. Uma vez, ele perguntou se não era uma idéia por uma foto do homem, do governador em uma parede do quarto.Boa idéia, ela disse.

O retrato está lá.O fundo dele é azul. A água do rio amazonas é marrom.Parece merda de caganeira. Somos banhados por merda de caganeira. O riso toma conta de mim. O riso vira convulsão. A convulsão vira choro. O choro vira angústia. A angústia vira indiferença. Um homem tem uma convulsão do meu lado e eu rezo para que ele morra logo.

O homem sorridente faz uma visita a feira. Ele é recebido pelos feirantes com uma emoção sem igual. Essa emoção garantirá a cada um deles, uma nova barraca.A feira desperta algo ruim neles. Nojo do cheiro, das pessoas, do calor, da situação, da poeira invadindo os alimentos. As pernas dele tremem nessa hora. Um tremor que não derruba. Ele já é acostumado. Eu também. Ele coloca um bloco de santinhos em cada barraca e se despede das pessoas.

No caminho, ele encontra uma amiga. Uma amiga dos tempos de colégio. Gorda como uma vaca.Ela o importuna falando da vida medíocre dela que não tão diferente da vida dele. A conversa dura uns 10 minutos. O cheiro de camarão e peixe irrita o nariz de ambos.A despedida é feita com dois beijinhos no rosto.O rosto grudento dela desperta uma angústia terrível nele.

Um outdoor gigante é levantado em uma grande avenida. O candidato se eleva em tamanho grande. Vizinho dele, outros candidatos com sorrisos tão vazios quanto . O nosso protagonista também tem o seu sorriso vazio estampado no rosto. Perto dali, ele observa um cachorro preto, morto, com a cabeça esmagada.

O cachorro preto, disse a mãe dele, é o demônio.

Bem, se for assim, o demônio também padeceu aqui nessa terra.As pessoas que passam do lado ficam realmente enojadas com a porqueira do cadaver do cão.Ele chega perto do cachorro e repara que as tripas dele foram um estranho padrão, uma mensagem.Deve ser algo místico, algo que os nossos antepassados saberiam ler e nós esquecemos.

Ele deixa o cachorro e se dirige a casa da amante. Emporcalha os peitos dela com uma espanhola e a faz lamber. É o que ela merece. Ele memoriza todos os seus movimentos durante o sexo para contar aos amigos mais tarde.Depois de tudo, ele observa a casa da mulher. Um mal gosto terrível. Cortinas vermelhas. Ela parece a porra de uma cigana. Ele não podia esperar nada melhor .

Ela faz um café amargo. Ele se engasga. Está forte demais.Eu poderia ler o meu futuro nas borras desse café, ele reclama. Ela deita no colo dele e pede desculpas. Ele tira o pau para fora e força na garganta dela. O susto é tanto que ela vomita e é estapeada para deixar de ser tão otária. Eles se despedem . Ela escova o dente para tirar o gosto de porra e vômito da boca.

Agosto é o inicio do verão em Macapá. Quatro meses terríveis de tortura. Não há arvores suficiente para se proteger do sol. Os mais fracos padecem no inferno, os mais fortes usam ar-condicionado.A vegetação fica na frente da minha casa fica completamente seca.Uma faísca vira um grande incêndio. Ano passado, isso aconteceu. Nós ficamos sufocados com a fumaça. Quando tudo passou, a vegetação ficou completamente destruída.Uma arvore antiga e grande virou uma tocha gigante e depois morreu.

Eu olhei a paisagem da frente da minha casa com o coração desolado. Sempre gostei da reação das pessoas ao verem o imenso matagal onde eu moro. A lagoa, as garças, o barulho de grilo e tudo mais pareciam ter sido engulidos pela fumaça. Os meus pulmões tambem. Nesta mesma época, a expofeira drenou toda a energia da cidade. De três em três horas, só havia silencio e cheiro de fumaça. Parecia o fim de tudo que era vivo.Na verdade, era.

Nosso protagonista ( o homem sorridente, não eu) visita um asilo. Aquelas pessoas que moram lá ficam felizes com a sua visita. Ele cumprimenta uma por uma. Um dos moradores não tem todos os dedos da mão direita . Justamente a mão que as pessoas usam para cumprimentar. Nosso herói disfarça o nojo com um sorriso amarelo e distribui milhares de sorrisos amarelos impressos entre os velhinhos. Um( que não tem uma perna) comenta que vai fazer de tudo para votar esse ano.Isto é, se ele ainda estiver vivo .

O nosso protagonista reza para morrer antes de precisa ir para aquele lugar.Ninguém morre porque quer. Não há saída. Na verdade, existe uma.

Uma coisa interessante que eu estava notando enquanto escrevia esse último capítulo dessa reportagem em nove partes é que não situei o nosso personagem em nenhum horário específico. Vamos então dizer que o próximo paragrafo está situado as 17 horas da tarde.Estamos quase no fim. Não se preocupem. Este texto não será tão grande como os outros.

Dezessete horas. Nosso protagonista visita o comitê eleitoral. Só há um outro homem sorridente lá. Ele comenta com o colega sobre a espanhola que executou nos peitos da amante. O feito soa como um feito e os dois começam a rir. As tarefas são verificadas. Todas foram realizadas com sucesso. Os dois se despedem. Antes de ambos irem para as suas, o colega comenta que sonhou com a maré transbordando, engolindo tudo.Depois desse sonho, ele não conseguiu mais dormir.

O homem sorridente recomenda lexotan ao colega e sai.

O dia do nosso herói vai chegando ao fim. Ao chegar em casa, ele come algo requentado. A família nunca foi de jantar toda na mesma mesa. Um bebê é incendiado na tv. No outro canal, a história de um casal que estava louco de amor. Ele fez uma canção sobre cada pedaço do corpo dela, o que foi bem conveniente, pois o corpo dela foi achado em mil pedaços debaixo de uma ávores debaixo daquelas ávores que eu sempre esqueço o nome.Ele muda o canal de novo. Uma reporter entediada com sotaque amapaense fala de uma carcaça negro de um cachorro morto que estava incomodando os habitantes do bairro. A camera foca o rosto do cachorro. Mesmo destruido, o rosto fita o espectador. O rosto do diabo.

Nosso herói desliga aTV apavorado. Tenho vontade de abraça-lo e dizer que, infelizmente, não há nada o que fazer. Mas eu não posso. Não, não posso. Preciso da morte desses homens para adiar a minha própria morte. Ele olha o santinho e o candidato dá aquele sorriso que salvaria a alma de qualquer homem.

Então, ele sorri de volta para o candidato.