terça-feira, 21 de agosto de 2012

Feliz aniversário, rock'n roll.


Nos dias treze, quinze e dezesseis, a cidade de Macapá comemorou alegremente o dia mundial do rock. Todos vestidos de preto, com muita “atitude” e toda aquela idiotice que  o capitalismo atribuiu ao rock nesse longo e estúpido processo  de comercialização das coisas que algum dia já tiveram vida própria.
Em Macapá, o evento foi divido em três dias (o que eu citei acima). O terceiro dia surgiu após um dilúvio que quase destruiu o palco no anfiteatro da fortaleza. A catástrofe natural também adiou a headline do evento, a banda Dr Sin (?).  Eu também não sei quem é, mas quem ouviu, gostou.

O primeiro dia foi realizado na praça da bandeira. O movimento independente do qual eu participo ( Liberdade ao Rock) cuidaria das burocracias que envolvem utilizar um espaço público. Esse trabalho consiste em conseguir autorizações, entrega de ofícios e tudo mais. Nada que as pessoas que participam do movimento não tivessem feito mil vezes. Eu e a equipe da comunicação do Liberdade participaria da cobertura do evento.

Os tropeços começam aí...

Não houve comunicação entre a equipe de comunicação do evento para com as outras equipes responsáveis pela mesma tarefa no bendito evento. Nos três dias do evento. Em um evento de proporções tão gigantescas (sim, fazer algo na beira do rio, para os padrões amapaenses, é gigantesco), as equipes deviam estar no mínimo sincronizadas. Isso garantiria um rodízio saudável de pessoas no palco para o registro do evento e também manteria o povo informado do que diabo seria realizado nos dias trezes e quinze. Para ilustrar melhor as coisas, na véspera do evento, ninguém sabia que horas devia se chegar à praça da bandeira  para apreciar as apresentações.

Aliás, quanto à hora do evento... Mais problemas. Começou quase duas horas depois do tempo previsto. Muitos jovens rock stars seriamente irritados por não poderem mostrar ao público o seu trabalho. Infelizmente, o espetáculo devia continuar sem eles. Pelo simples fato de que havia dezoito bandas para tocar e o tempo ( coisa que ninguém deve ter levado em conta no planejamento do evento) urge. Sobrou para os rapazes do Liberdade ao Rock ouvirem muita, muita indignação dos jovens artistas.

E assim, os shows começaram na praça da bandeira. Muitas bandas redundantes, um cover corajoso de Lady Gaga, um “Parabéns para você” cantado em vários tons diferentes, um Bilhão de bandas de metal completamente parecidas , um palco com uma iluminação completamente equivocada e muito gelo seco para sufocar quem estivesse por ali transitando, refletindo sobre a vida, pensando no início do mundo, quando todos nós éramos bactérias
.
A completa falta de banheiros públicos na praça da bandeira criava uma igualdade entre os sexos involuntária. Todos tinham que ir ao muro do colégio Amapaense. O Liberdade ao Rock, um evento realizado com um mínimo de recursos possíveis já tenta há vários meses conseguir mictório. Um evento dessa magnitude poderia, no mínimo, substituir o bendito gelo seco por um ou dois banheiros públicos para as damas.

A mesma preocupação poderia ter sido relevada em relação à segurança. O pau comeu na praça da bandeira. Só a equipe do Liberdade ao Rock separou cinco pés de porrada. Todos esses, aliás, com um intervalo mínimo de tempo entre um e outro. O espírito da sexta feira realmente dominava as coisas naquele dia. Espírito esse que podia ser contido com uma viatura de polícia.

Não lembro direito do dia quinze. Eu estava mais ocupado tentando me secar do que enumerar qualidades e defeitos. No dia dezesseis, eu estava seriamente gripado. A minha análise das festividades do dia mundial do rock termina aqui. Eu só posso parabenizar a equipe do Liberdade ao Rock pelo simples fato de que eu vi mais pessoas com a nossa camisa vermelha agindo no bom funcionamento do evento do que qualquer outra pessoa.

Esses pontos negativos, infelizmente, devem ser ressaltados. É difícil exigir uma mudança de postura da sociedade em relação às pessoas que se vestem de preto e gostam de rock, quando os eventos realizados para essas carecem de tantos pontos fundamentais de organização. No mais, parabéns a quem organizou. O rock está morto.



sábado, 19 de novembro de 2011

O mesmo sonho

Essa noite de novo. O mesmo sonho. O passado. O passado feliz.Todos felizes. O sol não tão quente. Os dias não tão amargos. O rio transbordando. A água inundando tudo. Os corpos boiando de novo. De novo. Essa noite. O mesmo sonho.

quinta-feira, 29 de setembro de 2011

O fim de todas as coisas vivas 1 de 9: O banco de concreto

No inicio do ano, eu precisei viajar para Belém. Odeio aquela cidade e ela sabe disso. Por isso, sempre que piso no solo paraense, sou acometido por alguma doença horrível ou atingido por alguma catastofre similar. Dessa vez, foi diferente. Não aconteceu nada, pelo menos comigo.Na verdade,preferia que tivesse acontecido comigo. Sou acostumado com os golpes terríveis que a vida me dá ( talvez seja pelo fato de eu estar sempre seriamente bêbado quando eles são desferidos) e por isso, eu ligo pouco para eles.Blábláblá Já estou fugindo do assunto. Vou logo pular todo o meu lamento para facilitar a vida do leitor.

Na minha curta estadia em Belém, eu costumava sentar em um certo banco, em uma certa esquina e fazer coisas idiotas que eu fazia na minha casa em Macapá e não fazia na minha casa em Belém pelo simples fato de não sentir que aquela casa era minha. As minhas atividades nesse banco eram contar dinheiro, falar sozinho e me sentir terrivelmente só e desolado nesse mundo tão cruel. Eu costumava a visitar ele nos dias de sabado e domingo.Ele era o meu único refúgio na triste Belém do Pará que fede a mijo e sonhos destruídos eternamente.

O banco foi arrancado do lugar que ele ficava por algum guincho gigante ou sei lá o nome daquela máquina medonha com garras. Quando eu o encontrei, ele era uma pilha de concreto e metal retorcido. Havia fezes de cachorro entre as ruínas do meu porto seguro. O horror havia levado outra coisa que eu amava de mim. Um morador estava alimentando alguns pombos sem fome. Eu fui até ele. Ele disse que o lugar que o banco ocupava serviria agora para alojar um caixa eletrônico do Bradesco.Ele estava bastante feliz por isso, o neto menor poderia ajuda-lo com as operações básicas de saque e extrato.Fazia anos que os moradores do bairro estavam pedindo um caixa eletrônico para essa área.

E o banco, eu perguntei.

Ele me disse que ninguém nunca notou que estava ali.


domingo, 28 de agosto de 2011

Dentes.

Hoje, eu acordei sem o meu dente número 17. Eu tenho um problema crônico na minha arcada dentária, metade dos meus dentes são restaurados e tem partes falsas.Quem já sonhou em perder os dentes sabe o quanto a situação é horrível, angustiante, fora de controle. Quem perde os dentes acordado tem uma sensação mil vezes pior.Eles nunca mais voltarão.Você nunca mais poderá comer o chocolate Talento. Minha mãe é dentista e sempre frisou a importância da higiente dental. Eu nunca liguei.Os meus dentes não resistiram ao meu vicio em Halls. E eu comecei a usar halls por que a pastilha benalet estava prejudicando a minha faringe.

Meu corpo perde a luta contra os meus vícios. Eles se acumulam cada dia mais. Bronco-dilatadores, anti-alérgicos,pastilhas, analgésicos e tudo mais que se pode engolir.Eu estou perdido. Eu li em algum lugar que o homem, para viver com dignidade, só deve viver até quando os seus dentes sobreviverem. Minha vida avança em progressão aritmética, meus dentes caem em progressão geométrica. Eu vejo os homens lindos da televisão, eu vejo a glória deles, eu vejo os barcos brilhantes, os carros luxuosos, eu vejo os dentes deles.Invejo o dentes, não invejo o resto.Não sei velejar, não sei dirigir. Só quero meus dentes de novo.Só quero poder ter a sensação de poder mastigar, mais uma vez, chocolate talento.

sábado, 6 de agosto de 2011

A gaiola das aves mortas

Tudo começou com a morte do primeiro periquito. Ele estava velho demais.Dos 65 periquitos da gaiola, ele foi responsável por quase 45% deles. Um dia, ou noite, ele simplesmente caiu no fundo da gaiola.Quando o dia amanheceu, ele já estava com as órbitas dos olhos cheias de formigas e outros insetos. Nós retiramos ele da gaiola e o enterramos no fundo do nosso quintal. Com ou sem aquele túmulo entre as mangueiras, o bichinho ia se decompor mesmo. Mas o cheiro iria incomodar o meu pai, incomodar os outros periquitos confinados e incomodar o perfeito daquela habit falso que era aquela imensa gaiola.

As outras mortes foram acontecendo logo depois. Pelo fato dos periquitos ficarem na mesma gaiola e terem como companheiros sexuais apenas primos e irmãos, as novas gerações iam nascendo cada vez mais fracas, cada vez mais aptas a doenças horriveis.Uma vez, um ovo não chocou junto com os outros, quando nós abrimos um liquído negro horrível escorreu da casca e um pequeno periquito deformado caiu aos nossos pés. Meu pai era um homem católico, os pais dele eram católicos. Será que ele não sentia a caracteristica culpa dos católicos por aqueles pobres animais?

Certa vez, uma chuva forte virou a gaiola. Os pássaros dentro dela enloqueceram. Mataram uns aos outros. O horror. Quando o dia amanheceu, havia menos de 15 periquitinhos vivos, todos seriamente feridos.As penas e os cadaveres dos mortos estava grudada ao chão da forma hedionda possível.Uma aquarela de sangue e penas de todas as cores possíveis. Sim, seria bonito se não tivesse cheiro e se não tivesse tantas formigas para ferrar os nossos pés. Aquela deve ter sido uma semana boa para as formigas.

Os periquitos foram levados para uma gaiola menor. Eu invejava o zelo que o meu pai tinha com aquelas aves. Cada morte, cada ferida infeccionada tirava lágrimas do rosto sempre severo dele. O mesmo valia para os outros animais da casa. Até para os patos que iriam encontrar a morte na ceia de natal.As feridas e constante umidade reduziram os periquitinhos a 3. Estes se curaram da última grande desgraça que ceifou a vida dos seus irmãos, pais, filhos, sei lá.

Mas não por muito tempo.

No fim do meu ensino médio, o último morreu.Dois anos depois da desgraça que levou os seus amigos, irmãos, primos, filhos, pais, mães, companheiros de cela. Morreu duro no fundo de uma gaiola pequena.Os olhos não foram devorados por formigas. A gaiola era suspendida bem alto. Meu pai estava viajando. Coloquei a ave morta dentro de um saco de lixo e joguei dentro do mesmo saco em que nós recolhíamos o lixo dos banheiros. Fiz uma cova de mentira para o bicho entre as mangueiras. Meu pai chegou, lavou a gaiola e comprou outros periquitos.

sábado, 23 de julho de 2011

O texto sobre a festa de animes que devia ir para o Blog Sou do Norte (mas não foi)

Atenção: Esse texto nunca foi publicado no Blog Sou do Norte. Ele é da minha total e completa autoria e responsabilidade. O texto é sobre as impressões que eu tive do evento chamado Amapanime e que, por razões óbvias, eu nunca tive coragem de mostrar a minha querida amiga Camila karina. Aí vai :


O inferno fede a punheta


Acabo de voltar do evento Amapanime. Estou sem internet. Ainda estou com o olho roxo. Meu nariz ainda sangra. As aftas que me impediam de mastigar e engolir a minha refeição desapareceram.Agora, eu posso beber agua, agora eu posso, finalmente, ficar livre do anestésico tópico que a minha mãe me deu para abreviar a dor insuportável que as aftas provocam.Ele era bastante eficiente. 15 minutos de dormência. Depois, a dor voltava pior.Muito pior. Isso é passado agora. Desse terrível só resta pequenas marcas embranquiçadas no meu lábio inferior.

Quando nós chegamos no Amapanime, o relógio marcava 16 horas e alguma coisa. O sol ainda estava muito forte. Não nos cobraram entrada. Acho que a organização do evento já estava cansada demais para ficar embaixo do sol cobrando quilos de arroz , feijão e toda essa merda.Minha mãe nunca gostou de ir em eventos que a entrada é o quilo de alguma comida "não perecivel". Ela acredita que o profissional que respeita o seu trabalho, cobra por ele.E cobra caro.

O amapanime estava dividido em dois públicos. O público que gosta de anime e que se sujeita as mazelas de gostar dessas coisas( exemplo:se vestir de majin boo sob um sol escaldante, pular em um tapete idiota fazendo poses constrangedoras e muito mais). O outro público é o que veio ver as bandas ( que estavam muito atrasadas).Esse tipo de iniciativa de colocar dois públicos em um evento feito especificamente só para um é,no minimo,desastrada.

Na verdade, eu sei lá se é desastrada ou não. Eu, Igor Reale Alves, sou um exemplo de vergonha alheia.Uma dia desses, eu estava andando na rua, quando eu percebi que estava indo no mesmo caminho que uma mulher e sua pequena filha de quatro anos. Eu continuei andando atrás delas e as duas aceleraram o passo com medo de mim. Muito medo, aliás. Era quatro horas da tarde. A hora dos pedófilos passearem de carro pela cidade, observando a doçura sem fim das crianças, o seu sorriso inocente, as suas roupinhas coloridas. Voltei para casa e imaginei como seria se eu estivesse fantasiado de majin boo ou algo do tipo? Fiquei pensando nisso por um bom tempo e depois parei.

Queria que a minha internet estivesse de volta. Minha internet sempre foi uma boa companheira.Tenho certeza que ela seria uma boa companheira agora.Estou viciado em realitys shows comportamentais do discovery health & people.Supernanny é o meu favorito. Durmo e sonho com os meus filhos imaginários aprontando peripécias terríveis que eu não sei como controlar.Então, eu chamo uma gorda de óculos e sotaque inglês. Ela me repreende por ser um péssimo pai para os meus filhos. Ela me põe no banco de castigo, me dá uns tapas, me deixa com olho roxo, caga no chão e me força a lamber. Sim, depois disso eu serei disciplinado. Para sempre.








 

sexta-feira, 24 de dezembro de 2010

O calendário

Os meus tios acharam que era uma boa idéia trazer a minha bisavó para morar em Macapá. Ela havia morado a vida toda em um pequeno sítio no interior do município do Amapá. Lá ela criou a minha avó e tudo mais. O principal argumento ,a favor da mudança, era o fato de que o lugar não tinha bons hospitais para uma pessoa idosa. Minha bisavó odiou a idéia, mas confiou nos filhos, pois eles haviam feito um curso superior, diferente dela.

No lugar do vasto sítio que ela ocupava no Amapá, a minha bisavó ocupou um pequeno quarto na casa da minha avó aqui em Macapá. O quarto tinha uma cama, uma mesa, umas cadeiras e um calendário que um dos filhos deu a ela. O calendário tinha uma foto de uma casinha de madeira no meio de uma floresta. Minha bisavó sempre apontava para o calendário e dizia que parecia com o lugar que ela morava antes. Havia uma frase embaixo da foto, mas ela não sabia ler.

Distante do verde do campo, do ar puro, das vacas, dos bezerros e dessas coisas em geral, a minha bisavó se tornou um tanto cruel e mesquinha. Ela passava o dia todo humilhando a empregada negra, comparando a pobre mulher com uma vaca de cor preta que havia morrido soltando pus das tetas. Para evitar processos e coisas assim, a minha vó sempre argumentava com os ofendidos, explicando que a idade fazia isso as pessoas.

Depois de completar 89 anos, minha bisavó sofreu um colapso e ficou vários dias em coma. Os filhos achavam que ela não iria passar dessa e começaram a dividir a herança, uma tia minha tirou um cordão do pescoço da moribunda e deu para uma das filhas. Outra levou a mobília do quarto deixando só a cama, outro tomou posse dos lençóis de linho que a minha bisavó havia bordado na juventude,quando ela possuía uma longa trança loira e andava de cavalo pelos campos do Amapá, uma terra virgem naquela época.

Uma porca de porcelana, que continha jóias e coisas do tipo, foi espatifada no chão e o conteúdo foi divido entre os filhos e netos. Mas minha bisavó não morreu. Um dia, ela recobrou a consciência. Ela não reconhecia os filhos que estavam no pé da cama. O médico disse que era Alzheimer, uma doença que destrói a memória das pessoas pouco a pouco.Ela já tinha a doença há muito tempo, mas esse foi o colapso final da doença, aquele que o ser humano esquece que é ser humano.
Minha bisavó tem uns noventa e sete anos hoje mas não anda, não fala, não pensa, não lembra que tem que fazer cocô e precisa usar fraldas. O calendário , citado no ínicio do texto, foi jogado fora há muito tempo. No lugar dele, há um outro com São Sebastião, amarrado em uma árvore, cravado de flexas. Dramático mas sem significado igual a vida da minha bisavó.