sexta-feira, 30 de julho de 2010

Planeta Góes 8 de 9: O ex-agente cultural.


Dedicado ao Satanás e a Camila Karina, as únicas coisas boas dos meus tempos de agente cultural.

Sexta, 28 de março. Fui para casa de uma amiga e levei 10 reais para comprar vodka e skilhos. Na noite anterior, eu tinha recebido a pior das notícias e eu pretendia entrar em um profundo porre . Daqueles que eu não simplesmente não lembro por estar porre demais na hora. A festa ocorreu sem grandes excessos. Fizemos uma lasanha e depois todos dançamos ao som de Gretchen.

Algumas horas antes, eu tinha escrito a primeira parte dessa incrivel reportagem em nove capitulos. Sobre um cachorro que eu encontrei estraçalhado na rua.O animal não saía da minha cabeça, não deixava de me perturbar, nem durante o meu sono. Pela manhã, acordei com umas urticárias estranhas embaixo do braço.Liguei para um primo meu que está se formando em medicina e ele disse que existe um numero infinito de possibilidades para surgir urticária nas pessoas.

Meu primo me ensinou o ABC do melanoma. Eu decorei e ficava repetindo todas as noites antes de dormir. Um dia, eu poderia ser a vitíma ou qualquer pessoa que eu conheço. De qualquer forma, eu seria útil.A pessoa antes de morrer, poderia ouvir da minha boca o que era a doença dela e isso me tornaria especial .Meu primo sempre se preocupou demais comigo.Alguns meses antes, ele me ligou:

Ele: "E aí, primo?"

Eu: "Tô bem, apesar do meu drama pessoal."

Ele: "Qual deles?"

Eu: "O de sempre."

Ele: "Qual é mesmo?"

Eu:" Tu sabe."

Ele: "Sei?"

Eu : "Sabe."

Ele: "E a pandora?"

Eu: "Ela está bem"

Ele: " Tá estagiando?"

Eu: "Não, mas sou agente cultural"

Ele: "O que é isso?"

Eu: "São pessoas que zelam pela cultura. Eu escrevo uns textos para um blog falando de bandas, editais de cultura e coisas assim.Eu ajudo em umas festas também. É legal. Me sinto útil"

Ele: " Que bom, Igor. Mas não acho isso compatível com o teu comportamento. Isso te dá algum retorno financeiro?"

Eu: "Não, não dá esse tipo de retorno, primo. Eu não preciso de retorno financeiro.Além do mais, eu estou conhecendo muitas pessoas novas que me ajudam no meu crescimento como pessoa. Tu ia gostar, primo. Tu ainda tem aquele violão? As pessoas que eu trabalho gostam muito de violão, elas tocam de forma doce e despreocupada."

Ele: "Eu destruí o meu violão. Com uma faca. Uma corda arrebentou e feriu o meu rosto. Eu queimei os restos. Aquele instrumento não ajudava no meu crescimento profissional."

Bem, eu desliguei o telefone logo depois. O meu primo sabe como encerrar conversas.Ele é bastante pragmático e correto.Bem, vamos voltar ao assunto do primeiro paragrafo. É necessário antes que eu recontextualize o leitor no texto novamente. Essa é uma regra para um bom texto jornalistico: Sempre relembre o leitor do que você está falando, pois ele tem uma péssima memória.

Eu estava em uma festa, bebendo vodka e comendo lasanha.Estavamos jogando baralho, quem perdia no jogo tinha que virar a vodka. Eu sempre ganhava. "Que sorte terrível e na hora errada. Eu me odeio". Acabei tomando a bebida de quem perdia e de quem ganhava.Eu estava tonto e louco. Adoro andar bebado e refletir sobre o meu drama pessoal e foi o que eu fiz.No caminho, eu ia despejando o meu horror existencial em tudo o que eu visualizava.No supermercado Favorito, na caixa d'agua do buritizal, nas crianças e tudo o que eu lembrava.

Um palhaço( um profissional palhaço, não uma pessoa engraçada) me parou e perguntou se eu podia ajudar ele a divulgar a peça que ele estava fazendo para ajudas crianças com câncer.Eu peguei no ombro dele e disse que a minha tia morreu de câncer. Perguntei como ele tinha descoberto isso, justamente naquele local tão escuro, tão sombrio onde o horror e a mágoa eram os meus únicos companheiros.Eu ri para ele e o abracei. Ele me abraçou também. Eu disse que poderia ajudar a divulgar a peça dele e tudo mais.Ele me perguntou se eu ainda me reunia no Espaço Aberto. Não, eu não me reuno mais no Espaço Aberto, eu disse a ele.Como são essas crianças? Elas são terminais? Devem ser,né? Eu sei o Abc do melanoma. Eu sei como começa, eu sei como termina. Elas podem rir agora, mas amanhã elas vão estar encaroçadas demais para rir.

Algumas vezes, o caroço cresce no rosto. Ele fica imenso. O fedor é insuportavel. Do que vai adiantar essa peça? Do que vai adiantar se degradar por aí, vestido de palhaço? Do que vai adiantar abordar gordos bebados no meio da rua? Do que vai adiantar se reunir para falar da sua peça? Você devia se vestir de branco e fazer campanha para eutanásia. Sim, seria melhor para essas crianças. O palhaço me olhou com nojo e repulsa e eu vomitei em resposta.Virei de costas e continuei a minha andança pela rua.

Um carro passa rua, umas pessoas chamam o meu nome. Eu pedi do fundo do meu coração para que elas morressem.Fechei os olhos e visualizei os corpos deles nos destroços.Caldo de sangue.Muitos pedaços. Algumas pessoas chorando, outras socorrendo. O palhaço do câncer com a roupa melada de sangue tentando puxar o braço de alguem. O braço sai, a pessoa não. Um cachorro preto esfomeado e sedento bebendo o sangue deles. Isso, eu pagava para ver. Por isso, eu me reuniria de novo no espaço aberto. Não, isso não é um bom pensamento. Caia na vala, seu miseravel.

E eu caí. Literalmente.

Não acreditei na cena; não acreditei na dor; não acreditei no inchaço que estava começando a formar no meu tornozelo. Liguei para emergência. 911. Nada. Não era esse o número. Esse é o número dos EUA. George Clooney não poderia vir tão longe de mim para me ajudar. Liguei para minha mãe. Ela me mandou um taxi me buscar. O taxista estava ouvindo uma música, a tradução vinha logo depois da frase.Que cafona. Eu quero morrer. Eu preciso morrer.Antes que esses favelados peçam mais músicas.Músicas com tradução simultânea. Preciso morrer de câncer. Melanoma. Eu sei o ABC do melanoma. Essa doença me deve uma morte dolorida. Isso seria um show bom para se ver. Sim, se o palhaço do câncer me pedisse para promover esse espetaculo, eu faria com muito, muito prazer. Eu, inclusive, reuniria no Espaço Aberto de novo.

Cheguei em casa. Pulando de um pé só. Deitei no sofá. O quadro sem eira, nem beira que ficava na nossa sala passou a ter sentido de mim. Um rio.Correndo ao contrário. Os bois tentam beber da água amaldiçoada, mas a velocidade da água mutila os seus focinhos. Meu avô falou de um primo distante dele que cuidava do gado em uma fazenda. Mudando os bois de lugar. Do alagado ao seco. Durante a travessia, os gados começaram a cair. Algum mal desconhecido os fez cair, mas não os matou. Uma doença terrível. Seria câncer? Não, câncer não é contagioso.Isso eu posso afirmar. Eu sei o ABC do melanoma. Eu conheço o câncer.Era uma ferida aberta que crescia no abdomem.Não era câncer.

O bois passaram a noite urrando de dor. A dor fazia os esfincteres relaxarem. O gramado estava cheio de merda.Os homens se dividiram para sacrificar os bois. Um tiro na cabeça de cada boi e quando acabasse a munição, o jeito era usar a faca.Essa tarefa lhes custou a noite inteira e um pouco da manhã.Quando terminaram, um deles desatou a chorar, disse que tinha sonhado com isso na noite passada. Um sonho turbulento.

De nada adiantava, os bois estavam mortos. A grama suja de sangue. A minha perna estava quebrada.

Fui levado para o pronto socorro.Meu tio me levou. Saí saltitando do carro até umas cadeiras de rodas que estavam na frente. Duas pessoas me ajudaram a chegar na cadeira. Me sentei aliviado por não forçar mais a minha perna direita. Fui levado para emergência. Uma médica sonolenta me atendeu. Olhou com desinteresse para o meu inchaço. O braço dela tinha uma mancha estranha. ABC do melanoma. A de assimetria. Será que é o caso dessa mancha? B de borda.Não, não pode ser.Nem tudo é câncer. A médica me passou um injeção de cataflam e mandou tirar um raio-x da minha perna.

Fui para uma pequena fila na hora da radiografia. Na minha frente, um homem com aqueles negócios de por no pescoço de pessoas quebrada. Um policial o interrogava e o homem mal conseguia responder as perguntas. O policial o cutucou com o cacetete e ele gemeu de dor. Eu esperei ele entrar na sala de raio-x temendo ter que deitar na mesma maca que ele para tirar o raio x e foi o que aconteceu. A mulher do raio-x posicionou o meu pé da forma desconfortavel possivel para a chapa que saiu errada duas vezes.

"Ele quebrou a fíbula",explicou a médica como se estivesse falando de uma verruga qualquer. Olhei desesperado para o meu tio para saber o que osso era esse e ele me explicou que não era um osso tão importante e que em dois meses, eu estaria andando de novo.Dois meses. Eu fechei os meus olhos e pensei no horror que eu teria de enfrentar pelos próximos meses.Fui levado para ser imobilizado. Uma enfermeira de expressão nula me ajudou a por em uma maca. Ela conhecia o meu tio.

"Meu Deus! Olha o tamanho desse menino! Nós temos uma fazenda na estrada que tem vacas do tamanho desse menino. Meu Deus. Muita obesidade.Coloca ele aí. Meu Deus, a maca rebaixou quando ele se encostou.Lá em cima tá cheio de gente, espero que ele não precise ser internado. Muita briga nesse sábado. Essa cidade está naufragando. Eu não aguento mais.Levanta a perna.Pelo menos, eu fui transferida da maternidade. Quinze partos por dia. Essas meninas não sabem se lavar. É cada paca.Não mexe a perna,menino. Não sei o motivo disso, eu morro de pena dessas crianças. Elas fedem muito. Eu fico imaginando em latrina suja elas foram feitas. O cheiro de peixe podre do esperma e esse monte de vagina podre. Meu Deus. Pronto, pode se levantar"

Foram dois meses, dois longos meses. Olhando pela janela, tomando banho sentado, odiando cada pessoa a minha volta com mais intensidade do que eu jamais senti na minha vida.Imaginei o palhaço rindo de mim. Ele e as crianças cancerosas. Todos eles no Espaço Aberto. Os dedos, cheios de tumores, apontando para mim. Oh sim, isso era um show bom de se ver. Minha depressão fazia o gado morrer, as flores secarem, as crianças chorarem. Minha mãe não suportou e me enviou para a casa do meu pai. Passei 15 dias lá.

Um amigo dele perguntou do meu pai se eu estava estagiando. Meu pai disse que eu era agente cultural. O que é um agente cultural?. Meu pai respondeu que são pessoas que ajudam tocadores de violão, hippies e dançarinos. O homem perguntou onde eu fazia essas coisas e o meu pai respondeu que não sabia, pois não falava comigo o suficiente para saber da minha vida. O homem disse que isso era triste. Meu pai concordou.Ele disse que tentaria fazer comigo um serie de programas para diminuir o meu tédio e quem sabe, nos reaproximar.

Ele tentou. Nós fomos em família para um terreno muito muito longe naTessalônica.Chovia muito na época. Meu pai nunca foi de falar e quando eu estou perto dele, eu dificilmente falo. Não é lucrativo. Silêncio ajuda a me manter livre do julgamento dele sobre as coisas, sobre o que eu sou, sobre quem eu me tornei, sobre o que vai ser da minha vida. No nosso caminho, algumas pessoas passavam com vestidos até o chão. Eram crentes, meu pai explicou com um sorriso de escárnio no rosto. Eu fiz uma piada sobre crentes e ele me repreendeu. Não é bom rir da crença alheia.No meio do caminho, ele me perguntou que papo era esse que eu queria morrer.Eu disse a ele que era verdade, que eu não via mais sentido em viver. O mundo é terrivel demais, pai. As pessoas são más, terríveis.Eu sou uma piada.A minha existência é uma piada. O que passarei aos meus filhos? Qual será o meu legado?

Ele disse que isso dependia de mim. Todo homem constrói o seu legado. Eu disse a ele que o meu legado já estava destruído e que eu queria apenas morrer. A maré destruiu tudo. Ele me perguntou se eu já tinha tentado me matar. Eu disse que não. Se a morte viesse, seria por conta própria. Ele me perguntou meu emprego de agente cultural. Eu disse que não era mais. Ele perguntou pela minha empolgação por ajudar as pessoas que eu exibia para todos. Eu disse que era falsa, eu entrei naquele circulo de idiotas por outro motivo. Qual motivo? Eu me calei e depois ri. Perguntei a ele se as pessoas acreditavam nessa minha vontade filantrópica de ajudar artistas esfomeados. Eu sempre soube que todos eles iam fracassar. A vida é perversa demais. O horror dessa cidade iria afogar aqueles artistas, aqueles jovens cheios de alegria com aqueles instrumentos se tornando reis de alguma coisa por um breve momento. Todos iriam esquecer daquilo um dia. Todos iriam fracassar. Um dia, eu iria encontrar eles por aí. Alguns deles formados, outros em alguma oficina , trocando pneus.Nada dá certo na cidade, nada funciona, nada cresce, nada floresce. E, de certa forma, eu gosto disso. Eu gosto do fracasso alheio. Eu gosto do meu fracasso. Me faz sentir vivo como poucas coisas.

Ele me perguntou por que eu passei tanto tempo discursando a respeito de ser um agente cultural, se eu pensava dessa forma tao terrível. O terreno da tessalônica é cheio de subidas e descidas. Os evangélicos daquela região permanecem isolados do resto da sociedade. A fé é o principal recurso deles. É o que alimenta os filhos, é o que faz as crianças correrem, as mulheres lavarem a roupa no rio e tambem é o que mantem a sanidade em um lugar tão isolado. Tão distante de tudo.

Meu pai lembrou de uma familia de crentes que morava do lado da casa deles. Eles tinham duas filhas. Elas cantavam no pátio, louvando Deus por todo o milagre que ele havia feito nas vidas deles. Um bom pai. Uma boa mãe. Uma boa casa. Uma das filhas precisou viajar para longe, para recife, eu acho. Ela passou um bom tempo deprimida lá, sempre escrevia para os pais, falando da falta terrível que eles faziam a ela. As férias de julho eram aguardadas pela familia. Todos estariam juntos. Não aconteceu. A moça foi assaltada, espancada, estuprada e assassinada.

A familia partiu da vizinhança dos meus avós para alguma outra cidade. Eles estavam acabados.

Alguns anos depois, o pai das meninas visitou o meu avô. Eu tinha oito anos. O homem contou de um terreno que eles tinham no nove. Nesse terreno, havia uma plantação de tomates.Quando a mocinha morreu, eles deixaram o lugar aos cuidados de ninguem. Agora que eles estavam de volta a Macapá, o local continuava como estava. A plantação de tomates intacta, porem mais selvagem. Ele fez um gesto com a mão para mostrar o tamanho do tomate.

É um milagre, ele disse. Nós concordamos.








domingo, 25 de julho de 2010

Planeta Góes 7 de 9: O pássaro negro

Dedicado a um homem que eu vi na rua. Ele não tinha uma perna e um braço, mas tinha uma tatuagem feita com tinta verde com a frase: "Na torturas, toda carne se trai".

Relendo os posts anteriores dessa incrível matéria em nove partes, percebi que falei pouco do nosso ex-governador Waldez Góes e das terras tucujús. Erro meu. A coisa descambou para outro lado; isso é um erro fatal para um jornalista, pois devemos ser objetivos e concisos. Jamais vou conseguir esse objetivo, pois tenho uma falta de atenção patológica e nem tenho vontade de escrever textos jornalisticamente corretos. Eu odeio essa profissão e me odeio também.

Mas preciso seguir com algumas coisas pré-estabelecidas ou me perderei para sempre. Bem, por isso, deixarei de me incluir tanto nas coisas que ando escrevendo e deixarei os fatos fluírem por si próprios.

Nosso post começa com um dia que eu estava perdido andando por Macapá. Eu estava meio ébrio e as minhas faculdades mentais estavam meio confusas, mas isso não me impediu de visualizar dois homossexuais trocando carícias de cunho sexual, encostados em um carro. Tive vontade de chicoteá-los com o chicote do cristianismo e dos bons costumes, mas preferi bater um papo racional com eles.

Não tenho nada contra gays. Chamaram-me de gay a vida toda. Teve vezes que quase aceitei essa realidade e me conformei. Seria bem mais fácil. Minha mãe comentou um dia desses que eu tive a sorte de nascer branco e que se eu virasse gay, eu ainda teria mais chances na vida de que três quartos da África.Um belo argumento,não?

Então me tornei gay. Gay por 3 meses. Minha única experiência nesse estado foi alugar um filme pornô com uns caras tocando tambor com o pau. Aluguei o filme, meu coração cheio de culpa, e fui para casa. Pus o filme no DVD. Um som tribal invadiu a sala.Um homem apareceu escorado em um tambor com outro homem pregado nele. Foco no pênis, as veias pulsando.Enquanto era penetrado frenéticamente, o moço do tambor gritava o nome do Deus de Isaac, Abraão, Jó.

Algo naquele filme era verdadeiro. Não eram os gritos de prazer, nem a iluminação malfeita no rosto daqueles atores. Na verdade, eu não sei o que era. Acho que não era nada. Os gays desses filmes devem limpar a bunda, vestir uma roupa e beijar o seus filhos, frutos de um casamento hetero.

Deus não deve odia-los, mas me odeia.Depois de ver o filme, eu vi que não queria mais ser gay e agir de uma forma tão séptica na hora do amor.Deixei de ser gay, fiquei a deriva. O horror e mágoa, meus únicos companheiros. As ondas da depressão me carregando para mais fundo do mar da destruição, naquela parte que sempre tem tubarões. Os pequenos peixes da angústia adentrando o meu ânus de forma frenética e eu sem poder reagir.

Voltando aos homossexuais do parágrafo anterior. Eles foram gentis comigo. Até demais. Sou extremamente inconveniente porre. Um deles me contou que não estava se sentindo muito bem naquele dia e ficou mexendo nos botões da camisa. Eu fiquei olhando para a rua. Para o cemitério do Buritizal. Quebrei a minha perna lá na frente. Dois meses de confinamento. Eu ainda volto lá.Observo o buraco onde eu caí. Refaço os meus passos, mas não consigo cair de novo.

Disse aos rapazes que eu não queria mais importuná-los. Um deles revirou o olho de forma aliviada.Eu perguntei qual era o motivo da revirada. Ele disse que não me interessava. Eu expliquei a ele que como a revirada aconteceu depois que eu concluí a minha oração, eu merecia saber. Ele mandou eu me foder. Eu pedi que ele fizesse o mesmo. O parceiro dele me apontou o dedo.Eu disse para ele meter o dedo na bunda e expliquei aos dois que sentia pena de viados.Os dois riram de mim e me chamaram de enrustido. Contei a eles que já fui gay durante um período da minha vida, mas desisti ao ver um filme pornô. Um deles me recomendou um psicólogo. Não preciso disso. Nunca precisei. Ambos riram.De novo.De novo. O riso se tornou uma gargalhada. A gargalhada se tornou uma convulsão.

Um deles, me falou do avô que passou a vida batendo punheta escondido da esposa, dos filhos, do churrasco de domingo. Um dia, ele resolveu viajar para Belém do Pará. Alugou um apartamento com pouca mobília. Saía de casa apenas para comprar pão. Não fazia barulho, não cumprimentava os outros vizinhos. Durante a noite, ele deixava o apartamento e voltava com um odor repugnante. Os porteiros sentiam e comentavam com os outros vizinhos. Cheiro de quem levou pimbada. Como eles sabiam? Eles têm pimba, ora. Eles devem saber o odor. A lavadeira do prédio afirmou que sentia o odor nas roupas do velho. Um dia, ela encontrou sangue em uma cueca e mostrou aos demais moradores do prédios. Todos riram.

Uma das vizinhas perguntou ao velho aonde ele ia durante a madrugada. Ele contou que ia visitar uma tia que sofria de uma doença que a sufocava enquanto ela dormia. Ele sempre colocava a tia sentada para ela não se sufocar com a saliva e ela agradecia a ele infinitamente. A vizinha o encarou com dúvida, mas fingiu que acreditou.Depois, ela comentou com os outros vizinho e acrescentou detalhes. Havia algo branco preso no cabelo dele, ela disse. Todos riram, eu ri também.

Alguns meses depois, o velhinho foi encontrado morto. O cheiro era mais insuportável que nunca.

Eu indaguei com o rapaz homossexual se ele pretendia estabelecer paralelos do avô bicha dele comigo. Sim, ele pretendia e estava fazendo. Me senti meio ofendido e comecei a chorar. Os dois viados riram. O riso virou uma gargalhada. A gargalhada virou uma convulsão. Disse aos dois que eu estava ficando irritado. A convulsão virou algo pior e eu saí de lá humilhado. Rezando para que um meteoro caísse na minha cabeça( não pela última vez nesse post).

Voltei para casa com o meu coração destruído. O horror consumindo a minha alma. Cheirei as minhas roupas para ver se elas fediam a rola. Não fediam. Sempre fui muito cheiroso. Ainda bem. Cheirei o meu guarda roupa também. Sem cheiro. Tomei um banho. Dois banhos. três banhos. Acabei um vidro inteiro de álcool gel no corpo. Todos os poros ardiam. Álcool gel é recomendado apenas para as mãos.

Dormi agoniado. Acordei angustiado.

O sol ainda não havia chegado.

Me dediquei a numerar os meus livros.Numerar essas porcarias não serve de nada.Nunca serviu.No meio dos meus papéis, achei um santinho com a cara do ex-governador Góes e embaixo, o numero 12.Um sorrisinho imbecil.A oleosidade do rosto acentuado por algum iluminador incompetente. Meu avô diz que esse homem é corno. Meu pai diz que ele é otário. Minha mãe diz que ele é gay. No entanto para cada parente idiota meu, existe um milhão desses santinhos. Se ele quisesse, ele poderia afogar a minha família com quatro toneladas de santinhos inexpressivos.

Vou me masturbar com essa foto, eu pensei. Vou sujar a cara desse merda com o meu esperma infecto. Vou macular com o meu esperma esse sorriso imundo. Quero que ele morra, depois de pensar nisso, bati numa mesa. Acabei adormecendo. O despertador da minha casa é o rádio da empregada, sempre acordei com essa merda terrível. Mesmo quando mudamos de empregada, o único legado entre elas era esse maldito rádio imbecil.

Nesse dia, a minha mãe chegou em prantos em casa. Um amigo antigo dela havia morrido. Davi era o nome dele. Eles foram namorados na infância. Ele resolveu ir para São Paulo e ela não quis deixar Macapá.Fora da nossa cidade, ele teve uma vida promissora, recebíamos diversas cartas dele, algumas acompanhadas de fotos. Nessas fotos, o sol refletia os seus raios no esmalte dos dentes daquele homem. Foi câncer, sempre é câncer. Ele chegou naquela noite. Caixão fechado. Os filhos não quiseram vir. O pai do morto explicou que ele tinha tido alguns problemas de ordem mental nos últimos anos. Ser filho dele não era mais orgulho.

Não quis ir ao velório. Defuntos são todos iguais. A minha mãe me deixou na casa da minha Vó.Ler todas as linhas desse blog não é tão dramático quanto passar 10 minutos com a minha Vó materna.Ela explana todo o sofrimento de ser uma senhora aposentada nesse mundo super cruel;de como as galinhas que ela cria no quintal estão demorando a botar ovos; de como uma calha tão cara ,como a da casa dela, vive entupida; de como eu estou gordo; de como é ruim ter 70 anos; de como é ruim fazer fisioterapia sem morfina(!) e de como ela se odeia e quer morrer.

Odeio gente dramática.

Meu avô lia um livro embaixo do jambeiro.Quando eu comecei a criar consciência da minha vida, essa árvore já existia. Meu avô a plantou quando o meu pai tinha uns seis, sete anos.No pátio de lá, tem uma mangueira também que foi plantada depois do jambeiro.O livro era sobre o profeta João Batista.

Filho de Zacarias e Izabel, ele sempre foi uma criança abençoada. Morou no deserto. Livre do pecado, da vida mundana, do horror do sexo. Batizou Jesus Cristo. Acabou decapitado. A cabeça numa bandeja. Eu, particularmente, gosto desse profeta.

Meu avô fechou o livro que estava lendo e começou a conversar comigo. Ele lembrou do tempo que morou na vila do Amapá. Onde tudo era mato e mais mato. Naquela época, o mundo ainda tinha mistérios. Meu avô trabalhava como pedreiro. Passava três, quatro meses fora para conseguir alguma miséria para os filhos. Minha Avó era professora.

Durante essas viagens, eles ficaram em lugar particularmente alagado demais.Dormiram muito mal com mosquitos enchendo o saco a noite inteira.A maloca que eles estavam era cheia de goteiras.Dormir não era uma boa idéia e eles não dormiram. Ficaram em uma conversa sem fim sobre as coisas do mundo. Foram interrompidos por um barulho estranho no mato. Uma cantoria.

Umas pessoas estavam passando por lá, em procissão. As imagens eram a de Jesus Cristo e de um pássaro preto coroado. A imagem de Jesus era bem diferente do habitual, ele não estava ensangüentado, agonizando ou algo do tipo. Ele usava uma coroa, o manto era vermelho e dourado. O olhar era penetrante, destruidor, maligno.

No entanto, Jesus não era a imagem daquela procissão. Era o pássaro preto.Imenso. Era necessário quatro pessoas para suportar o peso. Nas garras do animal, havia varias fitas vermelhas com nome de pessoas e alguma coisa escrita. Meu avô não pode ler, ele era analfabeto.

Os pés das pessoas estavam sujos de lama. As expressões dos rostos estavam cansadas. Eles deviam estar naquilo há varias horas. Meu avô e os pedreiros ficaram horas olhando para a procissão. Quando ela sumiu no mato, a chuva parou. O sono veio e eles dormiram.








sexta-feira, 2 de julho de 2010

Planeta Góes 6 de 9: Amantes de criancinhas.

Dedicado a minha eternamente amada amiga Jenifer Nunes que ,quando canta ,faz voz de criancinha.

Eu, minha irmã, meu irmão bebê e o meu pai fomos a uma padaria tomar café da manhã. Era um programa desagradável. Muito.Muito mesmo. O meu despertar é sempre conturbado.Assim que eu abro os olhos, o meu estômago começa a doer, o suco gástrico vai parar na minha língua; o gosto escroto me dá causa ânsia de vômito; meu peito acorda chiando, devido a asma; minha garganta acorda seca e seriamente irritada.Uma lista longa, bastante longa. Sempre que íamos a padaria, eu não conseguia me curar de todos esses sintomas matutinos.Daí o meu mau humor matutino era dobrado.

Meu irmão ainda era bastante bebê na época. Fruto do terceiro casamento do meu pai, é o irmão fora do casamento que eu mais tenho contato.Quando ele era bebê, esse contato era maior.Hoje...Nem tanto. A mesa que o meu pai escolhia ficava de frente para a rua, o que me causava muito constrangimento e preocupação com a sepsia do alimento que eu estava ingerindo.Meu corpo não é um templo, mas não é lixeira. O bom rapaz deve sempre cuidar do seu corpo. Não sou um bom rapaz, sou obeso.

Perto da nossa mesa, estava um homem solitário. Ele aparentava ter 35 anos. O rosto era muito oleoso, realmente oleoso. A pele era morena.Ele usava uma camisa com consistência de meia-calça feminina(Nossa, que bom que não fabricam mais esse tipo de roupa). Ele estava inquieto. As pernas não paravam embaixo da mesa. Quando a minha madrasta passou com o meu irmão no colo, ele fez questão de cumprimenta-la pelo filho cheio de saúde que ela carregava.Ele riu para mim e eu desejei que ele morresse(desejo isso a todos quando eu acordo).

Começamos a comer a nossa refeição. Meu pai começou a lembrar que eu era uma criança obesa e que eu não devia comer tanto. Eu disse a ele que eu era gordo por causa do corticóide. Ele retrucou dizendo que eu era gordo devido a minha falta de vergonha.Eu levantei a hipótese de que a minha falta de vergonha poderia ser hereditária, uma vez que ele tinha sido um calhorda com a minha mãe. Ele não aceitou a minha hipótese e me explicou que eu iria apanhar devido a minha insolência.Eu expliquei a ele que eu não iria sentir tanto o efeito das palmadas pelo simples fato de eu conseguir isolar as sensações de humilhação que causam o choro na hora que as pessoas apanham dos pais. Nossa discursão foi interrompida por um caminhão da tropigás que fez um barulho estrondoso quando passou por cima de um buraco.

Minha madrasta perguntou quem era o homem da camisa de meia calça. Meu pai explicou que ele era um pedófilo, um animal, um fracassado e que trabalhava em uma gráfica. Provindo de uma família numerosa, ele constantemente abusava de seus irmãos menores que , apesar de violados sexualmente, não contavam nada para ninguem. Coisas de família. No entanto, as criancinhas foram crescendo. Sem ter com o que se divertir em casa, o rapaz comprou um playstation.

Na posse de um bom videogame, a casa dele começou a ficar lotada de meninos de 12 anos para baixo. Destituídos da maldade dos homens grandes, os rapazes eram constantemente boqueteados.A cama era de casal. Daí enquanto, um rapaz passava por uma selvagem fase no crash bandicoot, outro era possuído para esperar o tempo. Apesar disso, não foi dessa vez que o amante de criancinhas foi pego.

O governo Góes assumiu em 2002. Eu ainda lembro dos fogos na vizinhança. O governador Waldez era uma esperança azul para os dias sombrios do ex-governador Capi. Apesar desse ar mítico, eu não conseguia ver grandiosidade naquele homem narigudo, de sorriso torto e cara de masturbador de onças do zoológico da fazendinha. Apesar da cara de banana, o novo governador foi devastador. Os cargos antigos e ociosos que os amarelos ocupavam na era Capi foram dados a outras pessoas. Novas secretarias surgiram. No lugar do populismo bobo da era capi, o novo governo procurava um novo padrão de competencia na prestação de serviços. O CAP( atual superfácil) é um desses. SOJA. No lugar da exportação de coisas demodê como o açaí, a SOJA marcava um novo governo que pouco se lixava para coisas da terra e procurava um novo padrão comercial.Com razão, eu acho. Sempre achei a amapalidade meio cafona.

A familia do nosso personagem principal( o pedófilo, não eu) foi uma das que sofreram com essa nova era. Sem os bons cargos do antigo governo, eles tiveram que se mudar para um bairro da zona norte. Além da mudança de um local para outro, mais algumas despesas foram brutalmente cortadas. O playstation do nosso personagem foi um desses. Para se sustentar nesse mundo imundo, ele teve que trabalhar em uma mecânica. Lá, ele cuidava dessas coisas que envolvem pneus. Encher, secar, emendar. Coisas do tipo.

Durante a noite, ele virava uma pantera e saía para badalar na orla da cidade. Alvo: vendedores de amendoim. Ele os reunia em um local bem escuro e comprava o amendoim dos meninos, em troca, ele lambia os umbigos das crianças. Como rendia bastante dinheiro, a procura pelo nosso protagonista foi bastante grande. Algumas crianças barganhavam outras partes do corpo para serem lambidas em troca de um valor maior de dinheiro.O pedófilo aceitava, as crianças aproveitavam. Aproveitando do espiríto empreendedor que o novo governo propagandeava, elas passaram a se produzir com mais sensualidade.

O menor H dizia que era muito normal que as crianças se lambuzassem de óleo para definir melhor os seus corpinhos infantis. O pedófilo, no entanto, preferia as que tinham aquela barriguinha que toda criança tem.Se tem algo que o leitor concorda com o nosso protagonista é que criança adulta é vulgar demais.Eu concordo nessa parte tambem.

As crianças então passaram a aproveitar da inocência do nosso protagonista. As lambidas passaram a ser cronometradas, quando o tempo era ultrapassado, o pedófilo recebia tapas violentos na face. Uma vez, um rapaz de 8 anos, com o nariz escorrendo, tirou sangue das narinas do nosso protagonista por ele passar 2 segundos do tempo previsto. Lamber umbigos deixou de ser prazer, virou um suplício.

Suplícios são coisas dolorosas. Um asmático, igual a mim, precisa de oxigênio. Um diabético de insulina. Um pedófilo precisa de um corpo infantil para descarregar a impureza do seu corpo. Quando eles não conseguem, o esperma pulsa selvagemente em seus orgãos, o fluído torna-se um algoz. Pulsando loucamente, trazendo dor , desespero e outras coisas parecidas. Quando o dinheiro do amante de crianças começou a rarear, a dor surgiu. A area entre o pênis e o ânus passou a ficar tão dolorida que ele mal podia andar.

Bem, ele não podia se masturbar? Sim, ele podia.Todos nós podemos. A única liberdade do homem é poder causar a sua própria ejaculação.Todos nós, homens, sabemos disso.Ele, um verme, tambem sabia disso. Eram manhãs intermináveis.Quando ele conseguia, o esperma vinha acompanhado de sangue. Ele engolia ambos e rezava em desespero para que o Deus de Abraão abreviasse a sua dor. Não importa de forma fosse.

Sem sucesso. Essas preces nunca dão em nada.

As crianças passaram a se enjoar dele. Um dia, uma o denunciou a um policial. Ele apanhou no camburão. Apanhou na cela da cadeia. Apanhou dos outros pesos.Um dos presos meteu um cabo de ferro no ânus dele e depois comentou com os companheiros de cela que o sangue do animal era vermelho como o dele. Todos riram. Um deles, um assassino confesso, se defecou pois não conseguiu controlar o esfincter.

O tempo passou. Sempre desconfio da passagem parcial do tempo. As vezes muito rápida, outras devagar demais. Mas o nosso protagonista foi libertado e foi parar na mesma padaria que eu. Agora existe um problema sério aqui. Não consigo mais retomar o inicio do texto. Isso me irrita.Demais.

Um dia desses, eu vi uma lagartixa soltando o rabo para despistar algo que eu não sei exatamente o que era. Devia ser um sapo. Sapos comem esses bichos? Acho que não. Sapos comem mosca. Na verdade, eu não sei de nada e nunca vou saber.