quarta-feira, 11 de agosto de 2010

Vida sem vaidade 2 de 5: Santo Antônio

Meu voto de pobreza foi quebrado inúmeras vezes. Não consigo manter promessas, nem votos, nem contratos, nem nada assim. Por essa razão, eu resolvi mante-lo apenas em casa ou quando saía atrás de coisas interessantes para escrever aqui. Eu estava começando a irritar seriamente a minha família com mais essa invenção, eu já os irrito com as minhas cento e cinquenta manias e agora com mais essa "invenção de moda", eles estavam ficando bem mais irritados que o normal.

Eu nem ligava.

Pedi uma indicação da minha avó de alguém suficientemente interessante para entrevistar e ela se indicou. Eu expliquei que ela não era uma boa idéia, eu procurava alguém mais distante de mim para escrever para os meus leitores que deviam estar cansados de ouvir falar apenas sobre a minha família e coisas relacionadas a minha pessoa.Ela me fitou com desprezo e me indicou as lésbicas coveiras que moravam no ramal, uma área terrivelmente perigosa que ficava em uma das diversas bifurcações do utinga.

Este ramal é um lugar realmente perigoso. Meu coração gela ao digitar sobre ele. A obra da primeiro de dezembro dividiu o utinga em dois. Do lado de cá da pista fica a casa da minha vó com casas de madeira e alvenaria com moradores de classe média; do lado de lá fica o ramal, o pantanal e outras areas perigosas. A entrada para esses lugares se dá através de uma pequena rua cheia de pequenos miniboxes, açougues, pessoas vendendo coisas em carrinho de vender coisas, populares mal encarados, barracas de peixe e coisas do tipo. Depois de passar por essa pequena rua, uma igreja universal maior que todas as casas do local surge, por trás dela começa um labirito infinito de palafitas semi-podres.

Andar na madeira faz a mesma ranger, andar devagar também, respirar idem. A tal casa funerária fica além dessas palafitas, em um local chamado pantanal. Após visualizar o local, o nome fica óbvio: um pequeno pântano com água por todos os lados. Ao chegar lá, fiquei extremamente preocupado por não achar a maldita funerária. Comecei a pensar que era uma emboscada da minha avó. Sentei em um banquinho e comecei a me sentir mal, usei o meu foradil para manter o ar saindo e entrando. Eu pedi ajuda a um homem que estava passando por lá e ele me apontou a tal funerária e me acompanhou até lá, não sem antes de perguntar se alguem de mim quem eu era.

Eu olhei para ele e disse que era jornalista. Ele perguntou de que jornal e eu expliquei que eu tinha um blog. O que é um blog? Fiz uma cara séria e comprometida para ele achar que se tratava de algo importante. Ele me disse que se eu quisesse saber de algo importante, eu devia perguntar sobre os OVNIS que rondavam a área. Pelo amor de Deus. Ainda bem que chegamos a tempo antes dele me falar mais sobre. A funerária ficava em um lugar realmente desolado e esquisito. O lugar era meio grandinho e tinha uma garagem que comportava dois carros, uma pequena sala com caixões, uma outra que servia para velar os corpos, dessa última sala saía uma extensão que ligada a outra extensão fornecia energia ao letreiro FUNERÁRIA SANTO ANTÔNIO.

Bati, bati e ninguém atendeu. Um vizinho que morava ao lado em uma casa de barro disse que as moças estavam viajando para Salinas. Vadias lésbicas. Salinas. Como posso continuar o meu estudo sobre a pobreza com lésbicas que viajam para um litoral? Isso parece Macapá. Decidi voltar para casa, mas antes, o vizinho das lésbicas perguntou se a minha vó era a minha vó. Eu disse que era e ele me perguntou o que eu queria com as lésbicas e eu contei o meu plano de falar sobre a pobreza em cinco lindos posts. Ele me encarou e disse que viados e lésbicas não sabem o que essas coisas são, pois vivem em constante pecado.

Jesus Cristo sabia o que era pecado. Na sua triste infância, ele deve ter comido muitos lagartos e coisas terríveis. Eu perguntei onde Jesus passou estava nessa epoca para comer lagartos e tudo mais. Ele disse que Jesus morava na África nessa época. Eu imaginei leões e macacos com jesus, mas depois lembrei que o Egito ficava no continente africano e jesus tinha fugido de Herodes pra lá. Para o meu horror, ele saiu da sua janela e veio me explicar pessoalmente toda a trajetória da fuga de cristo em evangélico apócrifo que ele leu no inferno.

O dia foi passando rapidamente, o céu escurecendo, os grilos cantando e agora eu estava ouvindo sobre como o profeta Paulo conseguia notar a exaltação das pessoas para quem ele pregava, mesmo sendo um cara cego. De vez em quando, uma mosca ou um mosquito voava tão perto do meu ouvido que o zumbido me deixava com vontade de estraçalhar, matar e estuprar (não nessa ordem). Perguntei se ele não tinha repelente OFF para eu passar nas minhas pernas e ele disse que tinha uma vela de andiroba.

O cheiro imundo da vela me deu ânsia de vômito. Ele me disse que ele mesmo fabricava as velas desde 1987 com o irmão. Eles manufaturavam as velas, encaixotavam e vendiam para uns paulistas que faziam pesquisas no parque do Utinga para descobrir novas espécies de sapos. Um dia, ele ouviu os biólogos conversando sobre como matam macacos com solução salina e isso apavorou ele e irmão. Eles passaram a ficar preocupados com medo de que os paulistas fizessem o mesmo com eles. O único jeito era matar os desgraçados antes que isso acontecesse.

O irmão dele não precisou dos paulistas para morrer. Uma tarde qualquer, ele caiu de cara na lama e ficou lá apodrecendo. As vizinhas lésbicas chegaram pela noite e encontraram o pobre homem já morto na lama. O velório foi realizado na funerária delas. Para essas ocasiões, elas vestiam roupas decentes, explica o velho. Uma usava um vestido e a outra, um terninho. Fêmea e macho. No mesmo dia, um bebê do ramal também tinha morrido. Ele foi velado em um pequeno caixão branco. A mãe não chorava pelo fato desse ser o segundo bebê que morria em sua prole, talvez ela estivesse aliviada com o fato de ter menos despesa que o normal com outra criança.

Dois velórios aconteceram ao mesmo tempo. O da criaça, totalmente lotado e o do irmão do velho com uns gatos pingados. As lésbicas se revezavam de forma eficiente para administrar o velório simultâneo. Ás 18 horas desse dia, o primeiro cortejo saiu do local. As pessoas iriam pelas palafitas e as lésbicas levariam os caixões por uma rota que acabaria também no portão da COSANPA, no fim, todos iam se encontrar e seguir para o enterro em algum cemitério popular.

Até hoje, ele paga a manuntenção da sepultura. Pedi para ir embora para casa e o velho me acompanhou até a primeiro de dezembro. Atravessei a rua para a casa da minha vó, tomei banho, pedi pizza e dormi no ar-condicionado. Eu tinha quebrado meu voto de pobreza outras, mas quem liga?


2 comentários:

  1. Minha curiosidade maior sempre será até onde vai a ficção e começa o real Mas a curiosidade pega mais fogo ainda quando eu suponho: E SE FOR TUDO REAL?? Aí morro de rir.

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  2. "Este ramal é um lugar realmente perigoso. Meu coração gela ao digitar sobre ele."
    Marvin, tenha medo: não duvido da realidade desse Tosco, mesmo que não seja a mesma que a minha ou a sua. O que ele conta é real... E ele iria gostar de contar da vez em que matou alguém de rir - e a piada era a vida dele.

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