terça-feira, 17 de agosto de 2010

A vida sem vaidade 4 de 5: O passeio de van

Uma das assistente sociais me ofereceu café e eu recusei por causa do meu voto de pobreza e assim eu fiz com muitos copinhos de plástico que me ofereceram. Teve um momento crítico que eu não conseguia mais recusar e comecei a chorar. Expliquei o meu drama pessoal para as pessoas que estavam lá e elas começaram a chorar e aceitaram que eu não queria tomar café.

Eram seis na van: Eu, uma dentista, uma médica, um assistente de enfermagem, uma assistente social e o meu drama pessoal. Eu cobri o meu lugar na van com um jornal para não contrair as bactérias que as pessoas costumam a soltar pelo ânus e tambem eu levei escondido na minha mochila, dois vidros de alcool gel. Quem lida com a massa sempre está a mercê de doenças terríveis.

A médica perguntou qual era a minha experiência com essas coisas e eu disse que já tinha estagiado em um coletivo de cultura que lidava com algumas pessoas pobres também.Ela perguntou o que era um coletivo de cultura e eu disse que não sabia exatamente, mas o tempo que eu passei lá foi sei lá. Ela aceitou a resposta.

Nós descemos na entrada de uma grande baixada. Eu fiquei horrorizado com a possibilidade de ter que andar por todo aquele inferno e disse a elas que não estava me sentindo muito bem. Elas responderam que nunca se sentiram bem na vida inteira delas. Então nós descemos a ladeira que nem de longe parecia uma ladeira, pois era quase uma linha vertical. Perdi a conta de quantas vezes eu tropecei e todos da comitiva riam de mim. Podem rir, filhos de uma puta.Nunca tinha vindo nesse lugar. Ficava bem antes do portão da COSANPA e nem de longe parecia com o Utinga.

Não sei como esses miseráveis conseguiram, mas eles ainda eram mais pobres que as pessoas da rua da minha vó. Ao invés das casas de madeira ou de barro do Utinga, o que havia era caixotes. Pequenas estruturas de madeira suspensas por 6 ou 8 paus. Eu quis tirar fotos, mas fui advertido dos perigos daquele lugar. Isso é uma favela? Não, não é uma favela, me explicou a assistente social. Perguntei se eles estudavam o que era favela no curso de serviço social e ela me olhou de forma assassina.

A primeira casa que nós visitamos ficava nos fundos de um açougue em que uns pedaços de carne ficavam no balcão em contato com as moscas.Devia ser algum tipo de propaganda especial mostrar que até as moscas preferiam a carne desse açougue em detrimento dos outros. Tampei os meus olhos com a mãe, fingindo me proteger do sol. Sem sucesso, uma criança pegou um pedaço de carne do balcão e começou a jogar para outra, começando um jogo hediondo que me causou ânsia de vômito.

Quando chegamos a casa-alvo, eu já estava tão enojado que mal conseguia ficar em pé. O dono da casa não tinha um braço e o nome dele era a junção do pai, da mãe, de uns tios e de algum telescópio famoso. O dos filhos idem. O da mulher era Vânia. Todos foram examinados pela equipe. Quando uma das crianças abriu a boca, a dentista olhou com aquela cara que os médicos de filme de câncer fazem quando o paciente ja está careca e em estado terminal. A assistente de enfermagem perguntou se eu não queria perguntar nada e eu disse que não. O dono da casa chamou a atual prefeita de lésbica e se despediu de nós.

A médica me advertiu de que eu não estava cumprindo a minha tarefa como jornalista e que eu não deveria deixar passar essa chance de estar cara a cara com a pobreza. Eu assenti de forma educada, desejando que ela morresse na minha frente. Ela e todas aquelas pessoas desgraçadas.Chegamos a segunda casa. Aliás, "casa". Um caixote suspendido por umas vigas embaixo. De lá, saiu uma mulher e três filhos com as caras bastante entediadas. Peraí, pobre não se entendia porque vive se fodendo? Não foi por isso que fiz esse voto idiota. Fui entrevista-los.

O nome da senhora era o nome do pai+o nome da mãe+ o nome de uma vacina famosa. Perguntei algumas e descobri que ela morava no Telegrafo, mas teve que se mudar de lá por causa do pedágio. Pedágio para quê? Para ser fodida? Ela me explicou que os meliantes do Telegrafo cobram pedágio, depois de um certo horário e ela não queria mais ter que conviver com essas coisas. Perguntei do pai das crianças e ela disse que foi unzinho que ela conheceu por aí. Eu disse a ela que as repostas estupidas que estavam sendo dadas a mim estavam fazendo voltar a minha vontade de me matar. Com força total.

Terceira casa. Altos e baixos. Um mulher loira desceu de lá. Nossa, se esse lugar fosse um complexo penintenciário, ela seria a Rita Cadillac. Ela cochichou com a médica que chamou a assistente de enfermagem. Devia ser DST. Essas velhas loiras vadias sempre tem DST. Aliás, toda loira tem.Se você é morena, a DST vem junto com a tintura. Amarelo na cabeça, amarelo na buceta. Vadias, desgraçadas, imundas, vagabundas. Dentro da casa havia um tapete brega, umas fotos de Jesus na parede e um quadro imenso com um tigre com a boca aberta.

As três saíram do quarto sorrindo. Vadias. Deviam ter fodido de forma louca enquanto eu estava padecendo lá, destruído pelo meu voto de pobreza. Comecei a lembrar do meu horror da minha existência e vomitei diante de todos. A mulher loira me acompanhou. A assistente social virou o rosto, constrangida."Não vomito, mas vomito com pobreza. Me desculpem" dizia eu, enquanto limpava o vômito com o meu bloquinho de papel.

A equipe me ajudou a sair da casa da mulher loira. O sol era o de meio dia. O suor escorria como uma cachoeira no meu rosto. Eu tambem sentia os pêlos da minha virilha aderindo de uma forma terrível com o suor. Assaduras. Eu precisava de uma pomada para assaduras que eu sempre uso nessas situações. Eu disse para a enfermeira e ela me olhou com repulsa.Eu expliquei a ela que não era viado, mas naquele momento, a pomada era essencial para a minha existência.

"Não era assim o seu trabalho no coletivo palafita?" perguntou a médica." Não, não era assim. Não tão degradante. Se tratava apenas de alguns músicos, poetas e fotografos pensando em fazer festas para as pessoas. Existe muito iguais ao coletivo no país, realizando festas, animando o coração das pessoas com lindas músicas, peças de teatro, editais de cultura e coisas do tipo. Eu não era exposto a tanto horror, a tanta degradação. Me sinto o último dos desgraçados nesse lugar terrível. A van está tão distante agora, assim como o coletivo palafita, aquelas pessoas alegres, cheias de um amor sem igual.Não há mais amor, nem esperança. Eu estou nu diante do olho de fogo" expliquei para a comitiva médica que agora me chamava de promoter gratuíto.

A nossa próxima parada era uma casa com dois idosos na frente. Ele capinava uma pequena porção de grama. A mulher estava sentada com três gatos e mais quatro no chão. A pressão dela e do marido foi medida de forma entediada pelos enfermeiros. Eles pareciam entediados. Pobres, fodidos, mas extremamente entediados. Ao ver o tédio deles, a minha euforia foi diminuindo mais, assim como o suor da minha virilha. A senhora nos ofereceu um pouco de água. Água água mesmo, sem gás.Voltamos para a van que saiu daquele lugar aos tropeços, fazendo as minhas hemorróidas sangrarem.

3 comentários:

  1. se esse lugar fosse um complexo penintenciário, ela seria a Rita Cadillac.

    kkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkk

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  2. Este comentário foi removido pelo autor.

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  3. ops
    "Tampei os meus olhos com a mãe, fingindo me proteger do sol"
    ATO FALHO!!!!!

    gostei da analogia ao SDA.

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