quinta-feira, 12 de agosto de 2010

Vida sem vaidade 3 de 5: A quadra.

Minha vó me acorda com muita violência. Tenho vontade de mata-la. A noite passada tinha sido algo realmente violento, eu me embriaguei com muito álcool e tinha dado um passeio assassino com os meus primos pela cidade tomando vodka Absolut, quebrando o meu voto de pobreza. Minha vó raramente acorda cedo, quando jovem , ela morava em um interior terrível em que as pessoas quebravam o pescoço de garças para sobreviver. Ela deve ter quebrado o pescoço de muitos outros bichos devido a frieza terrível que ela demonstra com tudo. Meu avô, um adolescente doente como eu, se apaixonou por aquela selvageria e a tratou como se fosse uma princesa negra.

Deu a ela todo o luxo que precisava: Empregada doméstica, carne de primeira e umas vilas para ela administrar, coisa que ela fez muito melhor que ele. Uma vez, um grupo de meninos morou em uma das casas que ela alugava, eles demoravam muito a pagar e isso a irritava profundamente. Uma dia, ela pediu a uns amigos mal-encarados dela para fazer a despeja dos homens. As coisas dos rapazes foram jogadas no meio da rua e ela jogou na borboleta (numeros 14 e 15) e ganhou um bom dinheiro com isso.

Quando eu era criança, ela era a minha figura favorita. Bem diferente da minha vó materna que adora chorar pelo horror do mundo, minha outra vó odeia bichas, frouxos, mulheres duvidosas, rapazes duvidosos, crianças mal- criadas e coisas assim. Ela ri pouquíssimo e explica que mulheres que passam tempo demais rindo são prostitutas vadias. Homens que passam tempo rindo demais são viados. Crianças que passam tempo rindo demais serão futuros lésbicas/viados e por aí vai. Ela sempre me considerou uma criança extremamente doente.

Primeiro foi a minha asma que me impedia de brincar com as outras crianças e me deixava um pouco amarelo e cheio de olheiras demais. Ela recomendou a minha mãe que comprasse um aparelho de aerosol para eu usar em casa, minha mãe comprou mas não me ensinou a usar. Nas noites em que ela ou o meu pai saíam , eu passava a noite padecendo de asma, pois a nossa empregada não sabia contar as gotas de berotec.

Minha vó me ensinou a fazer a nebulização. Ela enchia frascos vazios de berotec e atrovente com água e fazia eu colocar as gotinhas do jeito certo, sempre contando para não passar da contagem certa. Meu pai ficou horrorizado, ao ver eu me curar de uma crise de asma sem ajuda de ninguém aos seis anos de idade. Bem, isso não é planeta Góes, vamos voltar a manhã que eu fui acordado de forma brusca.Minha vó me chamou para ver algo e eu fui, semi bebado, com ela até a calçada.

Um rapaz esfaqueado jazia lá. Meus primos já estavam lá há algumas horas. Para entrar no clima da coisa, eu comecei a vomitar. O circo se armou logo: Umas moças completamente descabeladas surgiram do nada, gritando como loucas e balançando o cadaver e perguntando a ele como isso pode ter acontecido, o cadaver respondia melando as roupas dela de sangue e baba. " Ele cagou na calça, além de bandido, ainda era viado" concluiu a minha vó. Perguntei o motivo dessa indagação e ela respondeu que viados, geralmente, tem o cu frouxo.

Os outros vizinhos começaram a chegar e o rapaz que vendia coxinha tambem. Ele me ofereceu a coxinha, que estava mais nojenta que as calças do cadaver , por dois reais. Eu recusei, justificando com o meu voto de pobreza. A viatura apareceu uma hora depois de eu ter visto o corpo pela primeira vez. Deu duas voltas inconclusivas em volta das pessoas e foi embora, depois passou de novo com o vidro abaixado e os policiais olhando com um olhar cruel e ameaçador para as pessoas e sumiu de novo na esquina.

Uma senhora, amiga da minha vó, conhecida como dona Neida, mãe de 6 filhos, ex- funcionária pública, mas que agora trabalha em uma banca do JB trouxe um lençol e jogou em cima do morto."É o sexto lençol que eu uso para cobrir um morto aqui. Me parte o coração, mas a funerária ou a família sempre me repõe com um lençol novo ou algo mais bonito como esse vaso de flores artificiais que eu ponho aqui no lado da minha banca de jogo do bicho.Toda vez que eu risco o quadro com o giz, eu olho para esse vaso e lembro de quando vi uma margarida de verdade. Naquela época, as montanhas eram jovens e os pássaros cantavam coisas tão lindas que faziam o meu coração encher de uma esperança, que hoje ,não existe mais nesse mundo. Onde está o cheiro do orvalho da montanha? Onde está a canção dos pássaros? Será que tudo isso se perdeu na nossa arrogância? Na nossa paixão pelo sexo? Pelo efemero? Como fomos nos tornar tão vazios? Tão ocos?" ela explica.

A ambulância chega duas horas do morto ser descoberto. Dois funcionários eficientes entubam o morto. Minha vó ri. Eu vomito. A unidade de polícia envia dois policiais que interrogam a minha vó e os meus primos sobre o ocorrido. Eu também sou interrogado, mas contribuo bem pouco por ainda estar semi-bebado. Pergunto ao policial se posso ir a unidade outra vez para uma segunda visita e ele diz que as portas de lá sempre estarão abertas para a imprensa, desde que essa não seja marrom.

14 horas da tarde, eu sigo para a unidade de polícia. Do lado, dois cavalos mortos são arrastados para a carroceria de um caminhão. O sangue deixa trilha por onde passa. Eu vomito mais um pouco. Lá dentro, eu sou recepcionado pelo delegado que afirma ter gostado muito do blog do coletivo palafita que eu indiquei na minha última visita a delegacia como o meu local de trabalho. "O senhor não viu nada. A cultura é algo lindo" eu concluo. Sem querer falar mais sobre isso, eu pergunto mais sobre o crime ocorrido pela manhã.

Ele me explica que o elemento conhecido como gringo morreu por causa de um acerto de contas por causa de drogas ("muito normal") e que isso ocorre em uma média de 5.67% arrendondando para 5,75% ao ano no bairro.Mas a policia e o DENARC estão preocupados mesmo é com a incidência de crack que só aumenta. A média de bocas de fumo que foram estouradas e continham crack nos seus inventários chega a ser 13,5%. Outro fator terrível é hereditariedade dos hábitos do tráfico. No utinga, não existe ditado mais adequado do que aquele do filho do peixe e a sua sina.

Crianças de dez, onze anos já são habeis traficantes treinados pelos próprios pais para a distribuição de drogas. Não é raro que filhos adotem ideologias de tráfico diferentes das dos pais e os executem para poder seguir em frente com a sua carreira no mundo da distribuição de drogas ílicitas.

O morador Heitor montou uma quadra poliesportiva para as crianças fazerem outra coisa que não seja se drogar ou pensar no mercado das drogas. Ele organizava ,com a mulher e mais as duas filhas, diversas atividades para entreter as crianças. A quadra vivia lotada de adolescentes de todas as idades. A quantidade subia e subia. Heitor era citado na igreja Quadrangular, onde cultuava Deus, o rei dos hebreus, algoz do Egito. Um dia, ele chegou em casa e surpreendeu a mulher levando no cu de forma violenta na cama de forma de coração deles dois. O sangue gotejando sobre os lençóis.

Para piorar, a quadra poliesportiva virou Gomorra. Os traficantes locais se reuniam e vendiam drogas para as crianças novas.Loló para as meninas; maconha para os universitários do bairro;cocaína para os meninos ricos dos condomínios próximos ; merla para os amapaenses que choravam pela terra amada e crack para as crianças. Com o tempo, a quadra passou a ser sodoma também, alguns travestis passaram a fazer programas lá, sujando os lençóis de toda a cidade das mangueiras de sangue.

Heitor fugiu do bairro. A quadra foi fechada e destruída. " Admiro a posturas como a do senhor Heitor, mas essa terra só será livre do mal, quando o oceano engulir tudo" explica o delegado. Eu concordo e reparo na cafeteira que não para de pingar.




























3 comentários:

  1. "Heitor era citado na igreja Quadrangular, onde cultuava Deus, o rei dos hebreus, algoz do Egito. Um dia, ele chegou em casa e surpreendeu a mulher levando no cu de forma violenta na cama de forma de coração deles dois. O sangue gotejando sobre os lençóis"

    Kkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkk (eu ri praca!)

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  2. Absurdamente excelente os teus textos, cada vez mais tua fã, adoro o teu trabalho!
    Grande abraço queridão
    Depois da uma passadinha no meu humilde blog:
    http://pronunciodemanndragora.blogspot.com/

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  3. merla para os amapaenses que choravam pela terra amada...

    ahsuidhiuashdiuashduishd que merda essa foi a parte que mais rii

    será que tua vó ia pensar que sou viado?

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