segunda-feira, 9 de agosto de 2010

Vida sem vaidade 1 de 5: O voto de pobreza.

O dia de quem é entediado é extremamente longo. Eu nunca trabalhei na vida, nem tive nenhuma obrigação. Em casa, nós sempre tivemos empregada doméstica, o que me livrou de obrigações terríveis como lavar a minha própria cueca ou, na pior das hipoteses, lavar o prato que eu como.Este ócio magnifico é ótimo para a minha criatividade, pois como eu não tenho nada para fazer, eu me dedico a ter idéias, no entanto, não gosto de executa-las. Dá trabalho demais.

O ócio também desperta a minha depressão, como eu não tenho nada para fazer, eu me dedico a ficar terrivelmente deprimido o dia toda. Eu choro pelo horror do mundo, pelos judeus do holocausto, pelas crianças da África e pelo meu próprio drama pessoal.Ás vezes, gosto de dizer a minha mãe que vou me matar, ela fica arrasada e eu me divirto um pouco. Pena que não dura o suficiente.

Um dia desses, estávamos vendo na tv um multirão de pobres sendo prensados contra um portão por causa de um vale-comida qualquer. Alguns deles sangravam bastante e outros estavam prestes a sangrar dessa forma, o que importa nisso tudo é que eles não pareciam entediados.Comentei isso com a minha mãe e ela respondeu que quem é fodido não se entedia, pois precisa sobreviver. Que inveja, eu disse em voz alta. Ao ouvir isso, a minha mãe começou a me humilhar dizendo que eu não conseguiria passar um dia de pobre porque sou mimado e extremamente alienado.

Talvez, ela tenha razão, mas na hora eu quis desafiá-la e disse a ela que eu entraria em um voto de pobreza, onde eu iria sobreviver apenas com o necessário para a sobrevivência.Minha mãe e a empregada riram.Riram bastante. Minha mãe sugeriu que trabalhar fosse um remédio melhor que essas minhas idéias ridiculas.Eu apontei o dedo para ela e disse que o meu drama pessoal jamais deixará eu arranjar um trabalho, depois mudamos de assunto e falamos a respeito do muro do nosso vizinho que foi pintado de roxo.

Rimos bastante do muro e de como o vizinho é corno, crente e retardado. Depois, eu resolvi dormir para curar o sono de quem passou a noite na internet. Chorei um pouco e afundei em sono sem sonhos. Acordei com a alma destruída pelo horror da existência e resolvi ler um bom livro. O voto de pobreza tinha sumido da minha mente, pois eu estava pensando em que passeio vazio, eu iria fazer na sexta-feira e de como eu seria terrívelmente falso com todos que viessem falar comigo.

Sou o melhor dos sociopatas. Gosto de reunir um grande grupo a minha volta com piadas e auto- degradação para me sentir vivo, quando essas pessoas se afastam de mim, eu volto a ser triste, deprimido e chorar pelo horror do mundo. Quando as pessoas permanecem, o tédio me domina e eu sinto ódio de cada uma delas.Mas não tenho coragem de dizer isso a elas, dá trabalho demais.

Chegou sexta feira. Me reuní com um grupo de adolescentes com um violão( que eu odeio). Eles estavam particulamente alegres naquele dia. Jovens alegres significa bastante papo imbecil e foi o que, de fato, aconteceu. Os assuntos variavam da pura idiotice a pura panaquice. Momentos iluminados, até que eles começaram a falar de relacionamentos.Ainda bem que eu estava realmente bebado.

Uma mocinha de quinze anos começou a auto-analisar o seu carater nas relações que ela mantinha. Sem coração, era como ela se definia.Os seus namorados e pretendentes eram todos amarrados em uma teia de enganação e mentira criados por ela, uma moça sem medo de ser feliz. Enquanto ela dizia isso, ela acendia o cigarro e gesticulava com uma mão só para demonstrar segurança as outras meninas e elas aplaudiam.

Outra moça, de dezoito, explanava o quanto o ex-namorada era poético e psicopata. Enviava a ela os mais lindos poemas sobre montanhas, flores, animais e criaturas gregas no inicio do namoro e no fim, explicava a ela em versos como iria fatiar a sua carne e depositar em pequenos vasos de plantas. As outras meninas exclamaram assustadas e disseram a ela que foi uma boa idéia ter se livrado de alguem tão doente.

O mais chocado da roda era eu. Não com o relato do namorado psicopata ou da menina debutante que se fazia de puta vazia, mas era com o que eu estava fazendo naquele lugar tão idiota com aqueles projetos de adultos que eu sempre odiei durante toda a minha vida. Se eu continuasse assim, o meu futuro ia ser uma corda, um bala na cabeça ou um saco de chumbinho. Voltei para casa desolado. Meu coração destruido.Deitei, mas demorei a dormir. Para piorar, minha mãe tinha marcado uma viagem idiota para Belém do pará, uma cidade que eu odeio.

Pela manhã, eu acordei decidido a voltar com o meu voto de pobreza e pior, iria mergulhar brutalmente no mundo da pobreza, onde as pessoas não são entediadas porque vivem fodidas demais, e iria fazer uma magnífica reportagem e estudo da pobreza em cinco capítulos. A terrível viagem para Belém iria cair como uma luva porque o lugar onde eu fico lá é uma boca de fumo habitacional.

Minha viagem era as cinco da manhã de um dia, eu comecei o voto de pobreza ao meio dia do anterior. Para começar, desliguei o ar-condicionado e tirei os lençóis da cama. E empregada teria que lavar as minhas roupas ainda ou eu descontextualizaria do seu papel na minha casa. Fiquei ansioso para viajar e comecei a suar bastante, sem poder ligar o ar-condicionado, eu usei um leque do círio,mas o esforço com o leque me fez suar mais ainda.

Então tomei um banho, dois banhos, três banhos ( sem sabonete por causa do voto) e fiquei na frente da minha casa para pegar o vento da lagoa. Bem, vamos pular essa parte para não ficar prolixo demais.Como já citei antes, o bom jornalista precisa ser objetivo.Vamos pular para o lugar que é alvo desse genial estudo da pobreza em cinco partes.

O lugar onde eu fico em Belém é conhecido pelos moradores antigos e pelas pessoas de fora do bairro como utinga, devido a mata com o mesmo nome que fica bem em frente ao bairro, protegida pela empresa de agua de Belém, a COSANPA. Hoje, o lugar é cortado por um alargamento da rua (ou será avenida) primeiro de dezembro, uma obra que demorou uns dez anos para ser concluída,e integrou o lugar ao resto da cidade.Nem sempre foi assim. Antigamente, quem quisesse sair do bairro que não fosse pela entrada, iria andar, andar, andar, ver casas pobres, pessoas pobres, hortas, árvores gigantes até se tocar que estava voltando ao mesmo lugar de onde saiu, o portão da COSANPA.

Minha família chegou lá nos anos 60 ou 70, minha mãe já era nascida. O lugar era um matagal fechado, poucas pessoas ousavam a morar lá. Como era perto da COSANPA, milhares de tubos enfeitavam a paisagem do local. Meu avô demarcou uma grande parte de terreno e registrou como dele, aliás, ele e a família dele fizeram isso com outros terrenos em Belém. Nesse terreno imenso, ele construiu uma casa confortavel para a familia e no resto do terreno, ele construiu várias vilas com casebres de tamanho variado. Há uma vila lá que tem casas de dois andares, o andar de baixo feito de barro e o de cima com madeira, há outra que as casas são especialmente pobres, pequenas e feitas de barro e no fundo, outra mais pobre ainda com casas de madeira, fossas ao céu aberto.

Os primeiros habitantes do local conseguiram fazer casas confortaveis, o mesmo não aconteceu com o resto. O IPTU e outras coisas foram enxotando as pessoas do centro da cidade e de outros bairros mais populares da cidade e o jeito foi todos se embrenharem em lugares mais, mais, mais...Ai, porra, a palavra não me vem a cabeça. O fato que o mato foi sendo invadido mais e mais, criando muitas bifurcações para direita, esquerda e para baixo(?). A população crescente não teve como ser atendida pelos orgãos públicos da cidade ,que estavam ocupados em cuidar de muitos focos parecidos como esse, e acabou criando habitações bem diferents do padrão Belle Epoque que há no centro da cidade.

A criminalidade é piada interna entre os moradores. Em 2005, quando fui prestar vestibular e voltei de lá devido ao meu drama pessoal, houve uma pequena saga de sangue, horror e destruição. Pinga-fogo, um dos bandidos mais conhecido do lugar, teve um dos seus filhos morto em um tiroteio. Acerto de contas. O rapaz , que apesar dos 13 anos, era extremamente violento, estava copulando com a sua namoradinha, quando levou uns três tiros na nuca e uma facada no intestino só para descontrair. A moça saiu correndo com muito medo e alguns meses depois estava grávida do assassino do namorado morto.

A morte do rapaz gerou uma onda de assassinato e horror. Era muito normal, os jovens estarem fazendo um piquenique de crack quando um louco pulava no meio e metia facadas em todos. Civís eram metido na guerra tambem, afinal se você não se interessa pela guerra, ela se interessa por você, dizia um pensador aí. Um rapaz que estava visitando a namorada no dia dos namorados levou 26 facadas e foi escondido dentro de cano, lá ele passou um bom tempo apodrecendo e sendo comido por animais, quando foi descoberto, ele estava meio podre demais. Caixão fechado.Ao saber da morte do rapaz, a minha vó jogou CARNEIRO 26 na banca JB do local e ganhou uns 300 reais.

As mortes só foram findar quando o bendito assassino do filho do pinga-fogo foi morto com uns tiros no peito. O próprio pinga-fogo saiu derrotado do Utinga, destruido e com a família quase toda assassinada, ele resolveu ir morar em cayena, onde vive até hoje. Ninguem mais soube notícias dele, Ninguém mais quer saber notícias dele.

A polícia mantem uma postura meio sei lá em relação a violência: "Acontece, sempre aconteceu. Eu nasci aqui e vi as pessoas boas virando doutores e as pessoas ruins virando bandidas. A média de assaltos aqui é de 2,25% arrendondando para 2,5% e é uma média normal, eu acho.Na doca é mesma coisa. Andar em qualquer na rua é 3,25% para 3,75% de chances de ser assaltado. Não podemos estar em todos os cantos, as pessoas tem que se prevenir. Ontem, uma moça chegou com a orelha rasgada. Porra, andar de argolão na passagem cruzeiro não tem condições. O paraense é muito esbanjador. Mostra mais do que tem e só se fode"explica o delegado.

Esqueci de dizer que esse relato é do meu segundo dia em Belém do pará, quando eu emprestei um gravador do meu primo e fui até a delegacia do local que fica do outro lado da casa da minha vó. Lá, eu disse que era jornalista, eles acreditaram e me ofereceram café, eu recusei por causa do meu voto de pobreza, eu pedi água da torneira. Quando a água caiu no copo, ela veio misturada com barro suficiente para fazer aquela cena famosa do filme GHOST. Os policiais do local foram super generosos comigo e se mostraram bastante felizes em mostrar as suas habilidades, como aconteceu na hora em que fomos visitar um local intermediário entre o hall da delegacia e as celas.

Lá estava um rapaz de 17, 18 anos com a cara sangrando, embaixo dele havia muito papel higienico para conter o sangramento. Ao ver a cena, eu percebi que a melhor coisa da vida é não ter momentos existenciais inúteis e se meter em aventuras desnecessárias e incômodas. Pensei em dizer que tinha que ir ver a minha avó ou algo assim, mas do lado do "elemento" havia dois policiais bastante orgulhosos, meio que exibindo a caça para o gordinho com cara de idiota.Eles disseram que o nome do homem era chimbinha e tinha sido surpreendido roubando a casa de uma senhora do bairro, mas teve o azar de ter sido surpreendido pelos populares que "meteram o caralho"nele.

"Vamos mandar ele para um hospital, nenhum homem morreu aqui quando eu estou de plantão", explica o delegado. "Vai melhorar depois disso né, chimbinha? Vai cortar essa mecha do caralho, vai trabalhar e ter uma vida decente" declama o delegado."Gluuuurp (vomita sangue) eu...grlurrrrp( mais sangue)" concorda o elemento. O delegado me pergunta se eu quero saber de algo pela boca do próprio chimbinha e eu digo que não, as poucas palavras que o acusado falou, foram suficientes para mim. O delegado dá uma risada cristalina que acende nos seus subordinados a vontade de obedece-lo.

Ele pergunta em que jornal, isso vai ser publicado. Eu digo que tenho um blog e que por enquanto, eu estou desempregado. Ele pede o endereço do blog e eu dou o do antigo blog que eu participava e peço para eles aguardarem a minha postagem sobre o dia em que eu fui lá e passei duas horas e meia com eles. Os policiais sugerem uma foto para a ocasião e eu nego por causa do meu voto de pobreza. Os astros da foto devem ser eles.

Eles tiram o chimbinha do banco e colocam ele em algum lugar que eu não sei. Limpam o sangue do chão com pinho sol. O banco sujo é limpo com óleo de peroba e brilha como novo. O delegado senta no centro do banco e os policiais da unidade ficam em pé com rostos orgulhosos e austeros.A mulher que fáz o café tambem é chamada.Doido para sair de lá, eu bato a foto. Uma foto que eu jamais vou postar.











3 comentários:

  1. Estou extasiada. gostei pra caralho. posso dizer, meu caro, que finalmente, no sentido mais apropriado da palvra, vc tem um estilo.
    E ler o que vc escreve me faz, e digo isso com muita sinceridade, ficar mais perto de ti.
    até, meu amigo
    Luiza

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  2. Gostei (mas ainda prefiro o planeta góes, vamos ver com a continuação, né?).
    Vc é um tanto parecido comigo, no sentido de escrever até não querer mais acabar. E olha, de vez em quando, vc é bem prolixo. Ou será isso parte de uma piada sutil para o texto?

    Ah, posta a foto!! rsrsrs

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  3. Eu odeio a forma que tu escreve. Me faz querer ficar lendo indefinidamente, e ter pena de toda a raça humana. Um ciclo vicioso de auto-comiseração e pena, e auto-comiseração e pena. E auto-comiseração e pena.
    Pena e auto-comiseração pra ti, seu merda. Mas tu já tens isso o bastante. Caralho, que bom que ainda tem mais 4 partes dessa bela porcaria.

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