quarta-feira, 31 de março de 2010

Planeta Góes. Capítulo 2 de 9: A degradação sexual da familia Reale.

Meus primos tinham brincadeiras eróticas demais. Todos se reuniam em um quarto que ficava no meio da casa da minha vó, esse lugar em especial tinha ar-condicionado e muitos colchões, ou seja, o ideal para crianças brincarem o dia todo. No entanto, minha família nunca foi muito de pira-pega ou garrafão. Devido a nossa educação terrivelmente cruel e limitadora, acabávamos nos tornando pequenos adultos retardados, imitações distorcidas de nossas figuras materno-paternas. Daí nossas brincadeiras não funcionavam como entretenimento infantil e sim como ensaio para a vida adulta que teríamos em 10 ou 15 anos.

A brincadeira favorita era Mundo dos Executivos. Dois núcleos de uma empresa eram formados por 5 ou 6 primos cada um e começava um terrível jogo de poder e sexo para ver quem seria o maior e mais poderoso executivo.Nessa brincadeira, eu era o motorista da minha irmã. E ficava no canto, espionando as terríveis negociatas que ela fazia, manipulando meus outros primos de mente mais fraca e simulando sexo animal e selvagem com outro primo meu, que era dono da empresa rival. Aos empregados da minha estirpe, as partes sexuais da brincadeira eram restritas. Para mim, que era considerado o primo seriamente doente, quase todas as partes da brincadeira eram restritas. Tinha um histórico de comportamentos suspeito. Comia papel, pontas de grafite, borracha, bebia tinta e cheirava cola polar.Nas partes mais violentas da brincadeira, eu era convidado a me retirar do quarto.

Em uma dessas, contei tudo para a minha vó.Minha vó materna é bem diferente da minha mãe. A mulher que me pariu é histórica, neurótica, descabelada e seriamente desequilibrada. Minha vó não é assim. Ela morou em um interior realmente interiorano de Belém, quando via uma garça na tv, ela se lembrava de quando era criança e via o belo pássaro no rio, elas e os irmãos nadavam até o bicho, quebravam o pescoço da garça e, em seguida, comiam a criatura sem preocupação ou culpa nenhuma. Eu jamais comeria uma garça. Tenho pavor de ver em minha comida, a forma definida do animal que ela foi um dia.

Minha avó desligou o ar-condicionado. Deu umas palmadas com sandália nos pequenos filhos da puta. Eu ria de forma maligna e satisfeita por ver que eu tinha derrubado os dois impérios de sexo, ambição e perversões sem fim. Depois de punir a todos, ela mandou cada um para a sua casa. O único que restou era eu, pronto para receber as terríveis represálias que viriam de meus primos mais tarde. Minha vó me chamou para ir para a mesa com ela. Quando o relógio batia 15 da tarde, ela gosta de ouvir o jogo do bicho. Na rua que ela morava, o jogo era a grande diversão. Minha vó mora no Utinga, em Belém. Lá não havia grandes prédios. A maioria era terrivelmente pobre, havia poucas casas de alvenaria. O asfalto era de barro. Como ficava em frente ao portão da COSANPA, grandes caminhões passavam toda hora. Um dia, uma criança teve a cabeça esmagada por um desses caminhões, espalhando sangue e miolos nos grandes buracos que o barro formava.

Enquanto minha vó esperava o jogo do bicho, ela contou uma terrível história da infância dela no interior. Quando dois irmãos foram encontrados nus pelo pai. Não se sabe se houve algo entre eles. A irmã dormia alinhada nos braços do irmão. Ambos eram bem novos e ainda não tinham alcançado a puberdade. O pai sempre fora um homem controlado, até demais para os padrões viscerais do interior, mas não suportou ver a cena e matou as duas crianças com um terçado. A mãe fora morta também por tentar intervir. Os vizinhos presenciaram o massacre e atacaram o homem transtornado, quebraram a cabeça dele, amarram o corpo em um pedaço de pau e começaram a esfaqueá-lo. Um dos irmãos da minha vó participou da situação e quando chegou em casa, disse que o homem teve as suas tripas arrancadas para a contemplação pública.

O interior é realmente brutal demais. Ouvimos poucas histórias como essas por aqui.Nossos postes estariam cheios de degenerados, pendurados pela tripa. Este terrível conto ganhou cor e som esses dias. Em um dia de embriaguês, vi andando pela rua, quando vi dois cachorros desavergonhados copulando miseravelmente perto da minha casa. A cadela não tinha uma perna. Mesmo assim, se contorcia toda para receber o falo destruidor e inchado de seu amante, gritava de dor, se contorcia de desconforto. Mas o que dor e desconforto delimitam? A imagem me desconcertou e eu vomitei como um louco.

Durante a noite, no mais profundo dos sonhos, os amantes apareceram. Deitados, a pele úmida, reconfortados, inconscientes do holocausto que os esperava mais tarde.

domingo, 28 de março de 2010

Planeta Góes-(incrivel reportagem em 9 partes sobre a capital tucuju, escrita por Igor Reale). Post de hoje: Sobre o cachorro negro morto.


Uma amiga minha me chamou para dar um passeio. Ela queria apenas passear por passear. Isso acontece muito quando não há o que fazer, nem o que pensar e nem o que sei lá.Sempre tive um problema terrível com esta minha amiga. Sempre fui rodeado de amizades femininas, herança da minha mãe. Fui criado para ser um cabelereiro bicha , dono de um salão e um poodle pintado de rosa chamado charlotte. Dessa forma, sempre me dei muito bem com mulheres (de forma polida) e as mulheres sempre se deram muito bem comigo (de forma imparcial e distante).


Infelizmente, não conseguia achar um meio termo para a amizade que tinha com esta minha amiga.É raro, muito raro, as situações que eu perco a minha imparcialidade,desconfiança e o meu cinismo para com as pessoas. Perdi com ela. Julgava todas as suas atitudes. Os pequenos deslizes que eu deixava escapar nos meus outros amigos, com ela eram julgados de forma cruel da minha parte. Todo sorriso que escapava dos lábios dela, eu considerava duvidoso, falso e pauta para anotar no meu caderno de anotações sobre atitudes duvidosas.Toda declaração de amizade soava como um abraço preliminar para um apunhalamento.

Mesmo assim, eu estava sempre ao lado dela, movido pela traição e pela desconfiança ou por algo bem pior que eu ainda não sabia descrever. Ou sabia. Nunca irei saber.Sou muito prolixo. Irei voltar ao tema principal deste texto. A minha prolixidade deve ser perdoada, eu tenho um problema cruel com coesão. Quando não sou sucinto demais, me perco em palavras que nem sempre são úteis. Minha mãe é assim. Realmente prolixa. Lembro de uma vez que eu estava falando de meus sentimentos em relação a minha irmã para ela e o assunto principal, de repente, se tornou o uso ou o não-uso de batatas fritas no almoço. Sou um rapaz gordo. Batatas fritas contem óleo demais. Trocamos as batatas feitas no óleo por batatas de pacote.

Fui convidado pela minha amiga para apenas andarmos de forma descompromissada, em um domingo. A cidade estava morta. Morta em um novo e vazio sentido. Macapá sempre tem cheiro de algo podre, algo funebre demais para se descrever.Um cemitério de elefantes pequeno e com solo impróprio demais para que os elefantes possam se deteriorar com a devida precisão. Não é culpa nossa.Os indios , antigos donos dessa terra que moram agora embaixo da terra, engolindo vermes devem nos odiar. Afinal, estupramos a terra amada deles. Aliás, não sei se essa terra já foi amada por alguem em algum dia. Não sei se algum morador dessa ilha, já acordou em um dia lindo e agradeceu pela terra que o acolheu. Duvido muito. Os indios nos deixaram como herança algo terrivel: a predileção por suicídio e por serem massacrados pelas circustâncias.

Como já tinha escrito antes, minha amiga me chamou para um passeio descompromissado. Eu a encontrei na praça Veiga Cabral. Me desculpem, mas não sei se o lugar que nos encontramos era essse.Me desculpem. Minha memória esta horrível esses tempos. Houve um tempo, não muito distante que eu lembrava de fatos remotos.Realmente remotos.No passado, odiava esse meu "dom". Afinal, assim como existem boas lembranças, existem lembranças terriveis.Meu pessimismo me faz lembrar com detalhes apenas das piores. Hoje, minhas memória estão mais frágeis e dispersas. O alcool ou o excesso de lembranças devem ter feito isso comigo. Agradeço. Do fundo do meu coração.

Nos encontramos. Eu e a minha amiga. Minha terrível memória me faz lembrar da forma que ela estava vestida, da forma que me cumprimentou. Sempre distante, devido as minhas restrições com cumprimentos calorosos como abraços, beijos na face, apertos no pênis e coisas do tipo. A regra que eu delimitei para ela foi mais perversa: sem abraços. Abraços, na lista de cumprimentos que me enojam, sempre me deixam nervoso e tenso. Minha vó materna sempre odiou abraços. Um dia, quando criança, eu a abracei e dei um chocolate a ela. Ela me olhou com nojo e repressão. Vovó sempre deve ter achado que eu era um pequeno viadinho.Eu não a culpo.

Eu encontrei minha amiga no centro de Macapá. Tenho a impressão que o leitor está terrivelmente irritado com a vagarosidade da narração dos fatos. Devo lembrar que isto é uma reportagem de cunho jornalistico. Sim, ainda é. Pois estou comentando fatos socio-culturais desse estado. O fato do nome "Planeta Góes" está atrelado ao titulo não é de graça. A unica forma que o ser humano encontrou para dar uma opinião sobre algo quando não tem nenhuma opinião formada em sua oca cabecinha foi falar mal do governo. Não sei como anda o governo. Me desculpem. Mas queria receber um bom dinheiro em um bom cargo.

Minha amiga e eu conversamos sobre algo que eu não lembro.Nossos assuntos eram bem diversos. Apesar da confusão horrenda e sentimental que tinha por ela, eu realmente contava coisas bem pessoais para ela. Algo meio Silêncio dos inocentes.Infelizmente, não lembro dos assuntos que conversamos. Que pena.Se eu lembrasse, poderia enrolar vocês por mais 9 paragrafos.Não irei mais fazer isso.

Vimos um cachorro morto na rua. Um grande e terrivel cachorro preto morto. Suas patas estavam em um angulo terrivel. A cabeça esmagada. Minha amiga não suportou olhar para ele e e escondeu o rosto no meu ombro. Fiquei em uma situação realmente dificil. Pois odeio ver coisas mortas e odeio pessoas escoradas em mim. Para tentar contornar a situação, comecei a divagar sobre o cachorro morto.Ele devia ser dono da matilha, afinal tinha um porte realmente grande. Dificil de ver pelas ruas. Acho que os outros cachorros deviam morrer de medo e horror dele. Ele tinha uma coleira. Devia ser de alguem. Um portão deve ter liberado ele para o mundo, para ele espalhar o horror da sua presença gigantesca, porem, um caminhão deve ter o encontrado antes.

Andamos rápido para se afastar do cachorro. Minhas pernas tremiam. Quando o cachorro sumiu de vista. Fiquei aliviado. Acho que minha amiga fumou um cigarro.Não lembro. Não quero lembrar. Ontem faz um ano que vimos o cachorro. Vejo essa minha amiga tão raramente que tenho duvidas se ainda posso chama-la de "amiga". Espero ainda poder.Não ligaria se não pudesse. Mentira minha. Morreria pela chance de encontrarmos outro cachorro morto.

sexta-feira, 26 de março de 2010

Sobre o filme Lado a Lado

Amigos, estou totalmente destruido de trabalhos e pequenas bobagens. Não consigo mais sentar, me deprimir e simplesmente escrever para esse blog. Estou tentando, isso é verdade. A página de rascunhos está cheia de contos não concluidos, mal-pontuados, frageis em argumentos.Não gosto disso. Não irei posta-los jamais.O texto abaixo é para um blog que tive em parceria com a minha amiga Camila Karina e o meu outro amigo distante e desconhecido Ryzzan, o texto era uma resenha sobre o filme Lado-a-Lado. Não conseguir chegar ao objetivo final , que era apenas falar sobre o filme, ao invés disso, fiz um melodrama retardado e hediondo sobre o aspecto mais traumatizante da minha vida.Enquanto não tiver o que por, nem escrever aqui, colocarei isso.Nem precisava justificar, mas justifiquei. Tenho essa mania. Odeio vocês. Eis a resenha:


Em 2005, toda a guerra hipócrita que a minha tia mais velha travou contra o câncer chegou ao fim. Desde o inicio, ela sempre soube que tinha poucas chances contra a doença, no entanto, o instinto de sobrevivência vem sempre em primeiro lugar (Kurt Cobain discorda). Na mesma epoca, eu fui meio que forçado a morar em Belem para fazer as coisas como vestibular e etc. O sofrimento causado por tais escolhas e dilemas não foram suficientes para que Deus realizasse a sua masturbação diária, então, fui obrigado a morar com a minha tia e a minha vó por 3 longos meses.

Lembro muito pouco dessa época (ainda bem) , mas recordo de momentos horriveis e desesperadores como a sessão de cinema envolvendo o filme Lado a Lado. Uma prima de segundo grau , psicóloga, recomendou que a minha tia tivesse uma espécie de entretenimento reflexivo , ou seja, ela passaria por um momento de grande diversão e em seguida, refletiria sobre a terrivel, desesperadora e cruel situação em que estava . Então, fomos alugar filmes.

Minha prima de segundo grau alugou um filme chamado "Terminais?", que tratava de várias histórias de pessoas pálidas, decrépitas e com um sorriso cheio de morfina no rosto, contando lindas histórias edificantes. Minha irmã alugou Velozes & Furiosos e foi repreendida( em segredo) por não seguir a proposta da dinâmica familiar. Eu me recusei a alugar alguma coisa e fiquei no carro, rezando para que um meteoro caisse em minha cabeça. Minha mãe alugou Lado a Lado.

Quando o sol se pôs, começamos a nossa sessão. Minha prima explicou para a minha familia de parasitas sugadores como era a dinâmica. Todos, inclusive a doente, pareceram realmente desinteressados. O primeiro filme foi "Terminais?". Não lembro o durante do filme e acho que não tenho vontade de me lembrar, assim como não se o nome do filme realmente é esse. O segundo filme foi Velozes & Furiosos. Um primo meu tentou explicar o que era um carro tunado, mas, foi cruelmente interrompido. Afinal, ele não falou de cancer e desgraça.

Depois veio Lado a Lado. Esse filme tem duas questões para se abordar. Primeiro: Quem disse que a Julia Roberts é boa atriz? A atriz bocuda, feiosa , sem-graça e antipática sempre faz o papel de mulherzinha chiliquenta e antipática em todo o filme imundo em que ela ousa participar. Vale a pena lembrar que o unico papel realmente marcante dela foi o de uma puta apaixonado pelo Richard Gere, o galã mais sem sal de hollywood.

Segundo ponto, para quem são feitos esses filmes de mensagens edificantes envolvendo pessoas prestes a morrer? "Filme de câncer" como diria a minha mãe. Tenho certeza que não são feitos para os doentes. Minha tia morreu 3 meses depois daquela sessão de cinema com um tumor que lhe deformava o rosto, inconsciente e delirante...Tenho a impressão que ela não deve ter lembrado nem um momento de Lado a Lado. Nem quando descobriu que o capeta tinha a cara da Julia Roberts.

Postado por Igor Reale