quinta-feira, 12 de agosto de 2010

Vida sem vaidade 3 de 5: A quadra.

Minha vó me acorda com muita violência. Tenho vontade de mata-la. A noite passada tinha sido algo realmente violento, eu me embriaguei com muito álcool e tinha dado um passeio assassino com os meus primos pela cidade tomando vodka Absolut, quebrando o meu voto de pobreza. Minha vó raramente acorda cedo, quando jovem , ela morava em um interior terrível em que as pessoas quebravam o pescoço de garças para sobreviver. Ela deve ter quebrado o pescoço de muitos outros bichos devido a frieza terrível que ela demonstra com tudo. Meu avô, um adolescente doente como eu, se apaixonou por aquela selvageria e a tratou como se fosse uma princesa negra.

Deu a ela todo o luxo que precisava: Empregada doméstica, carne de primeira e umas vilas para ela administrar, coisa que ela fez muito melhor que ele. Uma vez, um grupo de meninos morou em uma das casas que ela alugava, eles demoravam muito a pagar e isso a irritava profundamente. Uma dia, ela pediu a uns amigos mal-encarados dela para fazer a despeja dos homens. As coisas dos rapazes foram jogadas no meio da rua e ela jogou na borboleta (numeros 14 e 15) e ganhou um bom dinheiro com isso.

Quando eu era criança, ela era a minha figura favorita. Bem diferente da minha vó materna que adora chorar pelo horror do mundo, minha outra vó odeia bichas, frouxos, mulheres duvidosas, rapazes duvidosos, crianças mal- criadas e coisas assim. Ela ri pouquíssimo e explica que mulheres que passam tempo demais rindo são prostitutas vadias. Homens que passam tempo rindo demais são viados. Crianças que passam tempo rindo demais serão futuros lésbicas/viados e por aí vai. Ela sempre me considerou uma criança extremamente doente.

Primeiro foi a minha asma que me impedia de brincar com as outras crianças e me deixava um pouco amarelo e cheio de olheiras demais. Ela recomendou a minha mãe que comprasse um aparelho de aerosol para eu usar em casa, minha mãe comprou mas não me ensinou a usar. Nas noites em que ela ou o meu pai saíam , eu passava a noite padecendo de asma, pois a nossa empregada não sabia contar as gotas de berotec.

Minha vó me ensinou a fazer a nebulização. Ela enchia frascos vazios de berotec e atrovente com água e fazia eu colocar as gotinhas do jeito certo, sempre contando para não passar da contagem certa. Meu pai ficou horrorizado, ao ver eu me curar de uma crise de asma sem ajuda de ninguém aos seis anos de idade. Bem, isso não é planeta Góes, vamos voltar a manhã que eu fui acordado de forma brusca.Minha vó me chamou para ver algo e eu fui, semi bebado, com ela até a calçada.

Um rapaz esfaqueado jazia lá. Meus primos já estavam lá há algumas horas. Para entrar no clima da coisa, eu comecei a vomitar. O circo se armou logo: Umas moças completamente descabeladas surgiram do nada, gritando como loucas e balançando o cadaver e perguntando a ele como isso pode ter acontecido, o cadaver respondia melando as roupas dela de sangue e baba. " Ele cagou na calça, além de bandido, ainda era viado" concluiu a minha vó. Perguntei o motivo dessa indagação e ela respondeu que viados, geralmente, tem o cu frouxo.

Os outros vizinhos começaram a chegar e o rapaz que vendia coxinha tambem. Ele me ofereceu a coxinha, que estava mais nojenta que as calças do cadaver , por dois reais. Eu recusei, justificando com o meu voto de pobreza. A viatura apareceu uma hora depois de eu ter visto o corpo pela primeira vez. Deu duas voltas inconclusivas em volta das pessoas e foi embora, depois passou de novo com o vidro abaixado e os policiais olhando com um olhar cruel e ameaçador para as pessoas e sumiu de novo na esquina.

Uma senhora, amiga da minha vó, conhecida como dona Neida, mãe de 6 filhos, ex- funcionária pública, mas que agora trabalha em uma banca do JB trouxe um lençol e jogou em cima do morto."É o sexto lençol que eu uso para cobrir um morto aqui. Me parte o coração, mas a funerária ou a família sempre me repõe com um lençol novo ou algo mais bonito como esse vaso de flores artificiais que eu ponho aqui no lado da minha banca de jogo do bicho.Toda vez que eu risco o quadro com o giz, eu olho para esse vaso e lembro de quando vi uma margarida de verdade. Naquela época, as montanhas eram jovens e os pássaros cantavam coisas tão lindas que faziam o meu coração encher de uma esperança, que hoje ,não existe mais nesse mundo. Onde está o cheiro do orvalho da montanha? Onde está a canção dos pássaros? Será que tudo isso se perdeu na nossa arrogância? Na nossa paixão pelo sexo? Pelo efemero? Como fomos nos tornar tão vazios? Tão ocos?" ela explica.

A ambulância chega duas horas do morto ser descoberto. Dois funcionários eficientes entubam o morto. Minha vó ri. Eu vomito. A unidade de polícia envia dois policiais que interrogam a minha vó e os meus primos sobre o ocorrido. Eu também sou interrogado, mas contribuo bem pouco por ainda estar semi-bebado. Pergunto ao policial se posso ir a unidade outra vez para uma segunda visita e ele diz que as portas de lá sempre estarão abertas para a imprensa, desde que essa não seja marrom.

14 horas da tarde, eu sigo para a unidade de polícia. Do lado, dois cavalos mortos são arrastados para a carroceria de um caminhão. O sangue deixa trilha por onde passa. Eu vomito mais um pouco. Lá dentro, eu sou recepcionado pelo delegado que afirma ter gostado muito do blog do coletivo palafita que eu indiquei na minha última visita a delegacia como o meu local de trabalho. "O senhor não viu nada. A cultura é algo lindo" eu concluo. Sem querer falar mais sobre isso, eu pergunto mais sobre o crime ocorrido pela manhã.

Ele me explica que o elemento conhecido como gringo morreu por causa de um acerto de contas por causa de drogas ("muito normal") e que isso ocorre em uma média de 5.67% arrendondando para 5,75% ao ano no bairro.Mas a policia e o DENARC estão preocupados mesmo é com a incidência de crack que só aumenta. A média de bocas de fumo que foram estouradas e continham crack nos seus inventários chega a ser 13,5%. Outro fator terrível é hereditariedade dos hábitos do tráfico. No utinga, não existe ditado mais adequado do que aquele do filho do peixe e a sua sina.

Crianças de dez, onze anos já são habeis traficantes treinados pelos próprios pais para a distribuição de drogas. Não é raro que filhos adotem ideologias de tráfico diferentes das dos pais e os executem para poder seguir em frente com a sua carreira no mundo da distribuição de drogas ílicitas.

O morador Heitor montou uma quadra poliesportiva para as crianças fazerem outra coisa que não seja se drogar ou pensar no mercado das drogas. Ele organizava ,com a mulher e mais as duas filhas, diversas atividades para entreter as crianças. A quadra vivia lotada de adolescentes de todas as idades. A quantidade subia e subia. Heitor era citado na igreja Quadrangular, onde cultuava Deus, o rei dos hebreus, algoz do Egito. Um dia, ele chegou em casa e surpreendeu a mulher levando no cu de forma violenta na cama de forma de coração deles dois. O sangue gotejando sobre os lençóis.

Para piorar, a quadra poliesportiva virou Gomorra. Os traficantes locais se reuniam e vendiam drogas para as crianças novas.Loló para as meninas; maconha para os universitários do bairro;cocaína para os meninos ricos dos condomínios próximos ; merla para os amapaenses que choravam pela terra amada e crack para as crianças. Com o tempo, a quadra passou a ser sodoma também, alguns travestis passaram a fazer programas lá, sujando os lençóis de toda a cidade das mangueiras de sangue.

Heitor fugiu do bairro. A quadra foi fechada e destruída. " Admiro a posturas como a do senhor Heitor, mas essa terra só será livre do mal, quando o oceano engulir tudo" explica o delegado. Eu concordo e reparo na cafeteira que não para de pingar.




























quarta-feira, 11 de agosto de 2010

Vida sem vaidade 2 de 5: Santo Antônio

Meu voto de pobreza foi quebrado inúmeras vezes. Não consigo manter promessas, nem votos, nem contratos, nem nada assim. Por essa razão, eu resolvi mante-lo apenas em casa ou quando saía atrás de coisas interessantes para escrever aqui. Eu estava começando a irritar seriamente a minha família com mais essa invenção, eu já os irrito com as minhas cento e cinquenta manias e agora com mais essa "invenção de moda", eles estavam ficando bem mais irritados que o normal.

Eu nem ligava.

Pedi uma indicação da minha avó de alguém suficientemente interessante para entrevistar e ela se indicou. Eu expliquei que ela não era uma boa idéia, eu procurava alguém mais distante de mim para escrever para os meus leitores que deviam estar cansados de ouvir falar apenas sobre a minha família e coisas relacionadas a minha pessoa.Ela me fitou com desprezo e me indicou as lésbicas coveiras que moravam no ramal, uma área terrivelmente perigosa que ficava em uma das diversas bifurcações do utinga.

Este ramal é um lugar realmente perigoso. Meu coração gela ao digitar sobre ele. A obra da primeiro de dezembro dividiu o utinga em dois. Do lado de cá da pista fica a casa da minha vó com casas de madeira e alvenaria com moradores de classe média; do lado de lá fica o ramal, o pantanal e outras areas perigosas. A entrada para esses lugares se dá através de uma pequena rua cheia de pequenos miniboxes, açougues, pessoas vendendo coisas em carrinho de vender coisas, populares mal encarados, barracas de peixe e coisas do tipo. Depois de passar por essa pequena rua, uma igreja universal maior que todas as casas do local surge, por trás dela começa um labirito infinito de palafitas semi-podres.

Andar na madeira faz a mesma ranger, andar devagar também, respirar idem. A tal casa funerária fica além dessas palafitas, em um local chamado pantanal. Após visualizar o local, o nome fica óbvio: um pequeno pântano com água por todos os lados. Ao chegar lá, fiquei extremamente preocupado por não achar a maldita funerária. Comecei a pensar que era uma emboscada da minha avó. Sentei em um banquinho e comecei a me sentir mal, usei o meu foradil para manter o ar saindo e entrando. Eu pedi ajuda a um homem que estava passando por lá e ele me apontou a tal funerária e me acompanhou até lá, não sem antes de perguntar se alguem de mim quem eu era.

Eu olhei para ele e disse que era jornalista. Ele perguntou de que jornal e eu expliquei que eu tinha um blog. O que é um blog? Fiz uma cara séria e comprometida para ele achar que se tratava de algo importante. Ele me disse que se eu quisesse saber de algo importante, eu devia perguntar sobre os OVNIS que rondavam a área. Pelo amor de Deus. Ainda bem que chegamos a tempo antes dele me falar mais sobre. A funerária ficava em um lugar realmente desolado e esquisito. O lugar era meio grandinho e tinha uma garagem que comportava dois carros, uma pequena sala com caixões, uma outra que servia para velar os corpos, dessa última sala saía uma extensão que ligada a outra extensão fornecia energia ao letreiro FUNERÁRIA SANTO ANTÔNIO.

Bati, bati e ninguém atendeu. Um vizinho que morava ao lado em uma casa de barro disse que as moças estavam viajando para Salinas. Vadias lésbicas. Salinas. Como posso continuar o meu estudo sobre a pobreza com lésbicas que viajam para um litoral? Isso parece Macapá. Decidi voltar para casa, mas antes, o vizinho das lésbicas perguntou se a minha vó era a minha vó. Eu disse que era e ele me perguntou o que eu queria com as lésbicas e eu contei o meu plano de falar sobre a pobreza em cinco lindos posts. Ele me encarou e disse que viados e lésbicas não sabem o que essas coisas são, pois vivem em constante pecado.

Jesus Cristo sabia o que era pecado. Na sua triste infância, ele deve ter comido muitos lagartos e coisas terríveis. Eu perguntei onde Jesus passou estava nessa epoca para comer lagartos e tudo mais. Ele disse que Jesus morava na África nessa época. Eu imaginei leões e macacos com jesus, mas depois lembrei que o Egito ficava no continente africano e jesus tinha fugido de Herodes pra lá. Para o meu horror, ele saiu da sua janela e veio me explicar pessoalmente toda a trajetória da fuga de cristo em evangélico apócrifo que ele leu no inferno.

O dia foi passando rapidamente, o céu escurecendo, os grilos cantando e agora eu estava ouvindo sobre como o profeta Paulo conseguia notar a exaltação das pessoas para quem ele pregava, mesmo sendo um cara cego. De vez em quando, uma mosca ou um mosquito voava tão perto do meu ouvido que o zumbido me deixava com vontade de estraçalhar, matar e estuprar (não nessa ordem). Perguntei se ele não tinha repelente OFF para eu passar nas minhas pernas e ele disse que tinha uma vela de andiroba.

O cheiro imundo da vela me deu ânsia de vômito. Ele me disse que ele mesmo fabricava as velas desde 1987 com o irmão. Eles manufaturavam as velas, encaixotavam e vendiam para uns paulistas que faziam pesquisas no parque do Utinga para descobrir novas espécies de sapos. Um dia, ele ouviu os biólogos conversando sobre como matam macacos com solução salina e isso apavorou ele e irmão. Eles passaram a ficar preocupados com medo de que os paulistas fizessem o mesmo com eles. O único jeito era matar os desgraçados antes que isso acontecesse.

O irmão dele não precisou dos paulistas para morrer. Uma tarde qualquer, ele caiu de cara na lama e ficou lá apodrecendo. As vizinhas lésbicas chegaram pela noite e encontraram o pobre homem já morto na lama. O velório foi realizado na funerária delas. Para essas ocasiões, elas vestiam roupas decentes, explica o velho. Uma usava um vestido e a outra, um terninho. Fêmea e macho. No mesmo dia, um bebê do ramal também tinha morrido. Ele foi velado em um pequeno caixão branco. A mãe não chorava pelo fato desse ser o segundo bebê que morria em sua prole, talvez ela estivesse aliviada com o fato de ter menos despesa que o normal com outra criança.

Dois velórios aconteceram ao mesmo tempo. O da criaça, totalmente lotado e o do irmão do velho com uns gatos pingados. As lésbicas se revezavam de forma eficiente para administrar o velório simultâneo. Ás 18 horas desse dia, o primeiro cortejo saiu do local. As pessoas iriam pelas palafitas e as lésbicas levariam os caixões por uma rota que acabaria também no portão da COSANPA, no fim, todos iam se encontrar e seguir para o enterro em algum cemitério popular.

Até hoje, ele paga a manuntenção da sepultura. Pedi para ir embora para casa e o velho me acompanhou até a primeiro de dezembro. Atravessei a rua para a casa da minha vó, tomei banho, pedi pizza e dormi no ar-condicionado. Eu tinha quebrado meu voto de pobreza outras, mas quem liga?


segunda-feira, 9 de agosto de 2010

Vida sem vaidade 1 de 5: O voto de pobreza.

O dia de quem é entediado é extremamente longo. Eu nunca trabalhei na vida, nem tive nenhuma obrigação. Em casa, nós sempre tivemos empregada doméstica, o que me livrou de obrigações terríveis como lavar a minha própria cueca ou, na pior das hipoteses, lavar o prato que eu como.Este ócio magnifico é ótimo para a minha criatividade, pois como eu não tenho nada para fazer, eu me dedico a ter idéias, no entanto, não gosto de executa-las. Dá trabalho demais.

O ócio também desperta a minha depressão, como eu não tenho nada para fazer, eu me dedico a ficar terrivelmente deprimido o dia toda. Eu choro pelo horror do mundo, pelos judeus do holocausto, pelas crianças da África e pelo meu próprio drama pessoal.Ás vezes, gosto de dizer a minha mãe que vou me matar, ela fica arrasada e eu me divirto um pouco. Pena que não dura o suficiente.

Um dia desses, estávamos vendo na tv um multirão de pobres sendo prensados contra um portão por causa de um vale-comida qualquer. Alguns deles sangravam bastante e outros estavam prestes a sangrar dessa forma, o que importa nisso tudo é que eles não pareciam entediados.Comentei isso com a minha mãe e ela respondeu que quem é fodido não se entedia, pois precisa sobreviver. Que inveja, eu disse em voz alta. Ao ouvir isso, a minha mãe começou a me humilhar dizendo que eu não conseguiria passar um dia de pobre porque sou mimado e extremamente alienado.

Talvez, ela tenha razão, mas na hora eu quis desafiá-la e disse a ela que eu entraria em um voto de pobreza, onde eu iria sobreviver apenas com o necessário para a sobrevivência.Minha mãe e a empregada riram.Riram bastante. Minha mãe sugeriu que trabalhar fosse um remédio melhor que essas minhas idéias ridiculas.Eu apontei o dedo para ela e disse que o meu drama pessoal jamais deixará eu arranjar um trabalho, depois mudamos de assunto e falamos a respeito do muro do nosso vizinho que foi pintado de roxo.

Rimos bastante do muro e de como o vizinho é corno, crente e retardado. Depois, eu resolvi dormir para curar o sono de quem passou a noite na internet. Chorei um pouco e afundei em sono sem sonhos. Acordei com a alma destruída pelo horror da existência e resolvi ler um bom livro. O voto de pobreza tinha sumido da minha mente, pois eu estava pensando em que passeio vazio, eu iria fazer na sexta-feira e de como eu seria terrívelmente falso com todos que viessem falar comigo.

Sou o melhor dos sociopatas. Gosto de reunir um grande grupo a minha volta com piadas e auto- degradação para me sentir vivo, quando essas pessoas se afastam de mim, eu volto a ser triste, deprimido e chorar pelo horror do mundo. Quando as pessoas permanecem, o tédio me domina e eu sinto ódio de cada uma delas.Mas não tenho coragem de dizer isso a elas, dá trabalho demais.

Chegou sexta feira. Me reuní com um grupo de adolescentes com um violão( que eu odeio). Eles estavam particulamente alegres naquele dia. Jovens alegres significa bastante papo imbecil e foi o que, de fato, aconteceu. Os assuntos variavam da pura idiotice a pura panaquice. Momentos iluminados, até que eles começaram a falar de relacionamentos.Ainda bem que eu estava realmente bebado.

Uma mocinha de quinze anos começou a auto-analisar o seu carater nas relações que ela mantinha. Sem coração, era como ela se definia.Os seus namorados e pretendentes eram todos amarrados em uma teia de enganação e mentira criados por ela, uma moça sem medo de ser feliz. Enquanto ela dizia isso, ela acendia o cigarro e gesticulava com uma mão só para demonstrar segurança as outras meninas e elas aplaudiam.

Outra moça, de dezoito, explanava o quanto o ex-namorada era poético e psicopata. Enviava a ela os mais lindos poemas sobre montanhas, flores, animais e criaturas gregas no inicio do namoro e no fim, explicava a ela em versos como iria fatiar a sua carne e depositar em pequenos vasos de plantas. As outras meninas exclamaram assustadas e disseram a ela que foi uma boa idéia ter se livrado de alguem tão doente.

O mais chocado da roda era eu. Não com o relato do namorado psicopata ou da menina debutante que se fazia de puta vazia, mas era com o que eu estava fazendo naquele lugar tão idiota com aqueles projetos de adultos que eu sempre odiei durante toda a minha vida. Se eu continuasse assim, o meu futuro ia ser uma corda, um bala na cabeça ou um saco de chumbinho. Voltei para casa desolado. Meu coração destruido.Deitei, mas demorei a dormir. Para piorar, minha mãe tinha marcado uma viagem idiota para Belém do pará, uma cidade que eu odeio.

Pela manhã, eu acordei decidido a voltar com o meu voto de pobreza e pior, iria mergulhar brutalmente no mundo da pobreza, onde as pessoas não são entediadas porque vivem fodidas demais, e iria fazer uma magnífica reportagem e estudo da pobreza em cinco capítulos. A terrível viagem para Belém iria cair como uma luva porque o lugar onde eu fico lá é uma boca de fumo habitacional.

Minha viagem era as cinco da manhã de um dia, eu comecei o voto de pobreza ao meio dia do anterior. Para começar, desliguei o ar-condicionado e tirei os lençóis da cama. E empregada teria que lavar as minhas roupas ainda ou eu descontextualizaria do seu papel na minha casa. Fiquei ansioso para viajar e comecei a suar bastante, sem poder ligar o ar-condicionado, eu usei um leque do círio,mas o esforço com o leque me fez suar mais ainda.

Então tomei um banho, dois banhos, três banhos ( sem sabonete por causa do voto) e fiquei na frente da minha casa para pegar o vento da lagoa. Bem, vamos pular essa parte para não ficar prolixo demais.Como já citei antes, o bom jornalista precisa ser objetivo.Vamos pular para o lugar que é alvo desse genial estudo da pobreza em cinco partes.

O lugar onde eu fico em Belém é conhecido pelos moradores antigos e pelas pessoas de fora do bairro como utinga, devido a mata com o mesmo nome que fica bem em frente ao bairro, protegida pela empresa de agua de Belém, a COSANPA. Hoje, o lugar é cortado por um alargamento da rua (ou será avenida) primeiro de dezembro, uma obra que demorou uns dez anos para ser concluída,e integrou o lugar ao resto da cidade.Nem sempre foi assim. Antigamente, quem quisesse sair do bairro que não fosse pela entrada, iria andar, andar, andar, ver casas pobres, pessoas pobres, hortas, árvores gigantes até se tocar que estava voltando ao mesmo lugar de onde saiu, o portão da COSANPA.

Minha família chegou lá nos anos 60 ou 70, minha mãe já era nascida. O lugar era um matagal fechado, poucas pessoas ousavam a morar lá. Como era perto da COSANPA, milhares de tubos enfeitavam a paisagem do local. Meu avô demarcou uma grande parte de terreno e registrou como dele, aliás, ele e a família dele fizeram isso com outros terrenos em Belém. Nesse terreno imenso, ele construiu uma casa confortavel para a familia e no resto do terreno, ele construiu várias vilas com casebres de tamanho variado. Há uma vila lá que tem casas de dois andares, o andar de baixo feito de barro e o de cima com madeira, há outra que as casas são especialmente pobres, pequenas e feitas de barro e no fundo, outra mais pobre ainda com casas de madeira, fossas ao céu aberto.

Os primeiros habitantes do local conseguiram fazer casas confortaveis, o mesmo não aconteceu com o resto. O IPTU e outras coisas foram enxotando as pessoas do centro da cidade e de outros bairros mais populares da cidade e o jeito foi todos se embrenharem em lugares mais, mais, mais...Ai, porra, a palavra não me vem a cabeça. O fato que o mato foi sendo invadido mais e mais, criando muitas bifurcações para direita, esquerda e para baixo(?). A população crescente não teve como ser atendida pelos orgãos públicos da cidade ,que estavam ocupados em cuidar de muitos focos parecidos como esse, e acabou criando habitações bem diferents do padrão Belle Epoque que há no centro da cidade.

A criminalidade é piada interna entre os moradores. Em 2005, quando fui prestar vestibular e voltei de lá devido ao meu drama pessoal, houve uma pequena saga de sangue, horror e destruição. Pinga-fogo, um dos bandidos mais conhecido do lugar, teve um dos seus filhos morto em um tiroteio. Acerto de contas. O rapaz , que apesar dos 13 anos, era extremamente violento, estava copulando com a sua namoradinha, quando levou uns três tiros na nuca e uma facada no intestino só para descontrair. A moça saiu correndo com muito medo e alguns meses depois estava grávida do assassino do namorado morto.

A morte do rapaz gerou uma onda de assassinato e horror. Era muito normal, os jovens estarem fazendo um piquenique de crack quando um louco pulava no meio e metia facadas em todos. Civís eram metido na guerra tambem, afinal se você não se interessa pela guerra, ela se interessa por você, dizia um pensador aí. Um rapaz que estava visitando a namorada no dia dos namorados levou 26 facadas e foi escondido dentro de cano, lá ele passou um bom tempo apodrecendo e sendo comido por animais, quando foi descoberto, ele estava meio podre demais. Caixão fechado.Ao saber da morte do rapaz, a minha vó jogou CARNEIRO 26 na banca JB do local e ganhou uns 300 reais.

As mortes só foram findar quando o bendito assassino do filho do pinga-fogo foi morto com uns tiros no peito. O próprio pinga-fogo saiu derrotado do Utinga, destruido e com a família quase toda assassinada, ele resolveu ir morar em cayena, onde vive até hoje. Ninguem mais soube notícias dele, Ninguém mais quer saber notícias dele.

A polícia mantem uma postura meio sei lá em relação a violência: "Acontece, sempre aconteceu. Eu nasci aqui e vi as pessoas boas virando doutores e as pessoas ruins virando bandidas. A média de assaltos aqui é de 2,25% arrendondando para 2,5% e é uma média normal, eu acho.Na doca é mesma coisa. Andar em qualquer na rua é 3,25% para 3,75% de chances de ser assaltado. Não podemos estar em todos os cantos, as pessoas tem que se prevenir. Ontem, uma moça chegou com a orelha rasgada. Porra, andar de argolão na passagem cruzeiro não tem condições. O paraense é muito esbanjador. Mostra mais do que tem e só se fode"explica o delegado.

Esqueci de dizer que esse relato é do meu segundo dia em Belém do pará, quando eu emprestei um gravador do meu primo e fui até a delegacia do local que fica do outro lado da casa da minha vó. Lá, eu disse que era jornalista, eles acreditaram e me ofereceram café, eu recusei por causa do meu voto de pobreza, eu pedi água da torneira. Quando a água caiu no copo, ela veio misturada com barro suficiente para fazer aquela cena famosa do filme GHOST. Os policiais do local foram super generosos comigo e se mostraram bastante felizes em mostrar as suas habilidades, como aconteceu na hora em que fomos visitar um local intermediário entre o hall da delegacia e as celas.

Lá estava um rapaz de 17, 18 anos com a cara sangrando, embaixo dele havia muito papel higienico para conter o sangramento. Ao ver a cena, eu percebi que a melhor coisa da vida é não ter momentos existenciais inúteis e se meter em aventuras desnecessárias e incômodas. Pensei em dizer que tinha que ir ver a minha avó ou algo assim, mas do lado do "elemento" havia dois policiais bastante orgulhosos, meio que exibindo a caça para o gordinho com cara de idiota.Eles disseram que o nome do homem era chimbinha e tinha sido surpreendido roubando a casa de uma senhora do bairro, mas teve o azar de ter sido surpreendido pelos populares que "meteram o caralho"nele.

"Vamos mandar ele para um hospital, nenhum homem morreu aqui quando eu estou de plantão", explica o delegado. "Vai melhorar depois disso né, chimbinha? Vai cortar essa mecha do caralho, vai trabalhar e ter uma vida decente" declama o delegado."Gluuuurp (vomita sangue) eu...grlurrrrp( mais sangue)" concorda o elemento. O delegado me pergunta se eu quero saber de algo pela boca do próprio chimbinha e eu digo que não, as poucas palavras que o acusado falou, foram suficientes para mim. O delegado dá uma risada cristalina que acende nos seus subordinados a vontade de obedece-lo.

Ele pergunta em que jornal, isso vai ser publicado. Eu digo que tenho um blog e que por enquanto, eu estou desempregado. Ele pede o endereço do blog e eu dou o do antigo blog que eu participava e peço para eles aguardarem a minha postagem sobre o dia em que eu fui lá e passei duas horas e meia com eles. Os policiais sugerem uma foto para a ocasião e eu nego por causa do meu voto de pobreza. Os astros da foto devem ser eles.

Eles tiram o chimbinha do banco e colocam ele em algum lugar que eu não sei. Limpam o sangue do chão com pinho sol. O banco sujo é limpo com óleo de peroba e brilha como novo. O delegado senta no centro do banco e os policiais da unidade ficam em pé com rostos orgulhosos e austeros.A mulher que fáz o café tambem é chamada.Doido para sair de lá, eu bato a foto. Uma foto que eu jamais vou postar.











domingo, 8 de agosto de 2010

Planeta Góes 9 de 9: O homem sorridente

Uma família de negros mora na rua da casa da minha vó paterna. Eles moram em um casebre de madeira menor que o meu quarto.Duas portas e quatro janelas. O casebre é derrubado de dois em dois anos, pois a madeira precisa ser trocada por causa da tinta dos numeros dos candidatos que sempre enfeita a fachada da casa.

Um dos filhos é flamenguista. Ele sempre ameaçou atear fogo no corpo nas derrotas do time. Um dia, o time perdeu. Ele ateou fogo no irmão caçula.Queimaduras de terceiro grau. Alguns me disseram que a pele estava tão queimada que, de vez em quando, umas bolhas estouravam.

Igual bacon, quando se coloca muito óleo na frigideira.Eu adoro bacon.

A matriarca da família tem um pé torto e tem dificuldades para andar. Ela se apóia em uma bengala, mesmo assim, ela teve sete filhos.Conheci muitas pessoas que são deficientes e mesmo assim tem filhos. Acho que transar com aleijados era uma tendência na época.

Na época de eleição, um homem sorridente sempre visita a familia. Beija o rosto das crianças sujas, comenta com os habitantes da casa que o chão precisa de um tapete novo,traz um nova dentadura para os idosos. Ele almoça uma comida que ele jamais engoliria na sua própria casa. Os dentes das crianças, podres e sujos de farinha, lhe desperta um nojo profundo.

As pessoas da casa começam a listar as dificuldades da família. Muitas dificuldades. Uma das filhas da senhora aleijada sorri de forma insinuante. Ela é lésbica, porém, nos anos de eleição, ela muda de idéia. Ele já comeu ela em um motel com espelho no teto. Os amigos ficaram impressionados com o relato de como a buceta dela peidava enquanto ele a penetrava.Será que eles teriam a mesma reação ao saber que ele se lavava mais que o normal depois de fazer sexo com a moça?

Um cachorro marrom de três patas manca pela casa. Ele espera pelos restos do almoço. Um dos rapazes joga um osso para ele e o animal manca loucamente atrás. A família ri. A velha aleijada é a que ri mais alto. Ela se indentifica com o cachorro aleijado. Irmão de causa. Falar de cachorros é doloroso demais para mim.

O homem sorridente tira milhares de blocos de papel do carro. Papéis cheios de rostos com uma expressão de felicidade tão vazia quanto a dele.O sorriso demonstra confiança. Se um dia, o leitor for atropelado, quebrar vários ossos do corpo, cair na lama e encontrar um desses santinhos, certamente, a confiança de dias melhores virão a sua mente.

Os habitantes da casa recebem os papéis. O cheiro de algo novo invade a casa. Os rapazes mais fortes tiram galões de tinta do carro, mas são proibidos de usa-los, pois são analfabetos e podem trocar os números. Uma das crianças tenta fazer um barquinho com os papéis, mas é espancada pela mãe.

A estratégia de distribuição de santinhos é minunciosamente explicada . As moças que sabem escrever, irão cuidar da pesquisa de opinião.O homem sorridente explica que é bom comprar roupas novas para o ofício.Tudo explicado e ele deixa a família. Abraça cada uma daquelas crianças imundas. Muitos beijinhos na bochecha. O vômito sobe, mas ele se controla.No caminho para casa, ele refaz o seu esquema mental com o intuito de saber se não esqueceu nada.Não, ele nunca esquece.

Em casa, ele chama a empregada. Ele já comeu ela também em um motel com espelho no teto. Os amigos ficaram impressionados com o relato de sexo anal. Hoje , no entanto, é uma ocasião diferente. O filho dela de 19 anos se enforcou. Ele se finge de pesar e afirma a empregada que irá ajudar no que for preciso e dá um bloco de santinhos para ela. O homem da foto sorri para a mãe do rapaz morto e ela sorri para ele. Conforto.

A empregada agradece a atenção. Ela diz que nunca esperava isso do filho. Ele tem vontade de rir com a ingenuidade dela. Nós dois temos. Mesmo assim, ele diz a ela que essas coisas são normais, todo homem deve ter tido isso, para finalizar ele culpa uma garota qualquer. A empregada pensa, pensa, pensa e acaba constatando que não sabe o motivo da morte do filho.O mesmo vai acontecer com ela daqui a alguns anos, quando ela cair em uma festa de família. Os médicos vão olhar, olhar, olhar e depois vão comprar alguma coisa para comer na esquina.

A casa dele é grande. Nove portas e umas quatorze janelas.A esposa dele possui a tradicional beleza amapaense. Ele não sabe quando deixou de ama-la.Ele não faz amor com ela em um quarto de motel com espelho no teto. A rotina acaba juntando os dois na mesma cama. Existe um retrato de Jesus na parede. Um jesus crucificado e extremamente entediado. Outras imagens sagradas se espalham para casa. Uma vez, ele perguntou se não era uma idéia por uma foto do homem, do governador em uma parede do quarto.Boa idéia, ela disse.

O retrato está lá.O fundo dele é azul. A água do rio amazonas é marrom.Parece merda de caganeira. Somos banhados por merda de caganeira. O riso toma conta de mim. O riso vira convulsão. A convulsão vira choro. O choro vira angústia. A angústia vira indiferença. Um homem tem uma convulsão do meu lado e eu rezo para que ele morra logo.

O homem sorridente faz uma visita a feira. Ele é recebido pelos feirantes com uma emoção sem igual. Essa emoção garantirá a cada um deles, uma nova barraca.A feira desperta algo ruim neles. Nojo do cheiro, das pessoas, do calor, da situação, da poeira invadindo os alimentos. As pernas dele tremem nessa hora. Um tremor que não derruba. Ele já é acostumado. Eu também. Ele coloca um bloco de santinhos em cada barraca e se despede das pessoas.

No caminho, ele encontra uma amiga. Uma amiga dos tempos de colégio. Gorda como uma vaca.Ela o importuna falando da vida medíocre dela que não tão diferente da vida dele. A conversa dura uns 10 minutos. O cheiro de camarão e peixe irrita o nariz de ambos.A despedida é feita com dois beijinhos no rosto.O rosto grudento dela desperta uma angústia terrível nele.

Um outdoor gigante é levantado em uma grande avenida. O candidato se eleva em tamanho grande. Vizinho dele, outros candidatos com sorrisos tão vazios quanto . O nosso protagonista também tem o seu sorriso vazio estampado no rosto. Perto dali, ele observa um cachorro preto, morto, com a cabeça esmagada.

O cachorro preto, disse a mãe dele, é o demônio.

Bem, se for assim, o demônio também padeceu aqui nessa terra.As pessoas que passam do lado ficam realmente enojadas com a porqueira do cadaver do cão.Ele chega perto do cachorro e repara que as tripas dele foram um estranho padrão, uma mensagem.Deve ser algo místico, algo que os nossos antepassados saberiam ler e nós esquecemos.

Ele deixa o cachorro e se dirige a casa da amante. Emporcalha os peitos dela com uma espanhola e a faz lamber. É o que ela merece. Ele memoriza todos os seus movimentos durante o sexo para contar aos amigos mais tarde.Depois de tudo, ele observa a casa da mulher. Um mal gosto terrível. Cortinas vermelhas. Ela parece a porra de uma cigana. Ele não podia esperar nada melhor .

Ela faz um café amargo. Ele se engasga. Está forte demais.Eu poderia ler o meu futuro nas borras desse café, ele reclama. Ela deita no colo dele e pede desculpas. Ele tira o pau para fora e força na garganta dela. O susto é tanto que ela vomita e é estapeada para deixar de ser tão otária. Eles se despedem . Ela escova o dente para tirar o gosto de porra e vômito da boca.

Agosto é o inicio do verão em Macapá. Quatro meses terríveis de tortura. Não há arvores suficiente para se proteger do sol. Os mais fracos padecem no inferno, os mais fortes usam ar-condicionado.A vegetação fica na frente da minha casa fica completamente seca.Uma faísca vira um grande incêndio. Ano passado, isso aconteceu. Nós ficamos sufocados com a fumaça. Quando tudo passou, a vegetação ficou completamente destruída.Uma arvore antiga e grande virou uma tocha gigante e depois morreu.

Eu olhei a paisagem da frente da minha casa com o coração desolado. Sempre gostei da reação das pessoas ao verem o imenso matagal onde eu moro. A lagoa, as garças, o barulho de grilo e tudo mais pareciam ter sido engulidos pela fumaça. Os meus pulmões tambem. Nesta mesma época, a expofeira drenou toda a energia da cidade. De três em três horas, só havia silencio e cheiro de fumaça. Parecia o fim de tudo que era vivo.Na verdade, era.

Nosso protagonista ( o homem sorridente, não eu) visita um asilo. Aquelas pessoas que moram lá ficam felizes com a sua visita. Ele cumprimenta uma por uma. Um dos moradores não tem todos os dedos da mão direita . Justamente a mão que as pessoas usam para cumprimentar. Nosso herói disfarça o nojo com um sorriso amarelo e distribui milhares de sorrisos amarelos impressos entre os velhinhos. Um( que não tem uma perna) comenta que vai fazer de tudo para votar esse ano.Isto é, se ele ainda estiver vivo .

O nosso protagonista reza para morrer antes de precisa ir para aquele lugar.Ninguém morre porque quer. Não há saída. Na verdade, existe uma.

Uma coisa interessante que eu estava notando enquanto escrevia esse último capítulo dessa reportagem em nove partes é que não situei o nosso personagem em nenhum horário específico. Vamos então dizer que o próximo paragrafo está situado as 17 horas da tarde.Estamos quase no fim. Não se preocupem. Este texto não será tão grande como os outros.

Dezessete horas. Nosso protagonista visita o comitê eleitoral. Só há um outro homem sorridente lá. Ele comenta com o colega sobre a espanhola que executou nos peitos da amante. O feito soa como um feito e os dois começam a rir. As tarefas são verificadas. Todas foram realizadas com sucesso. Os dois se despedem. Antes de ambos irem para as suas, o colega comenta que sonhou com a maré transbordando, engolindo tudo.Depois desse sonho, ele não conseguiu mais dormir.

O homem sorridente recomenda lexotan ao colega e sai.

O dia do nosso herói vai chegando ao fim. Ao chegar em casa, ele come algo requentado. A família nunca foi de jantar toda na mesma mesa. Um bebê é incendiado na tv. No outro canal, a história de um casal que estava louco de amor. Ele fez uma canção sobre cada pedaço do corpo dela, o que foi bem conveniente, pois o corpo dela foi achado em mil pedaços debaixo de uma ávores debaixo daquelas ávores que eu sempre esqueço o nome.Ele muda o canal de novo. Uma reporter entediada com sotaque amapaense fala de uma carcaça negro de um cachorro morto que estava incomodando os habitantes do bairro. A camera foca o rosto do cachorro. Mesmo destruido, o rosto fita o espectador. O rosto do diabo.

Nosso herói desliga aTV apavorado. Tenho vontade de abraça-lo e dizer que, infelizmente, não há nada o que fazer. Mas eu não posso. Não, não posso. Preciso da morte desses homens para adiar a minha própria morte. Ele olha o santinho e o candidato dá aquele sorriso que salvaria a alma de qualquer homem.

Então, ele sorri de volta para o candidato.













sexta-feira, 30 de julho de 2010

Planeta Góes 8 de 9: O ex-agente cultural.


Dedicado ao Satanás e a Camila Karina, as únicas coisas boas dos meus tempos de agente cultural.

Sexta, 28 de março. Fui para casa de uma amiga e levei 10 reais para comprar vodka e skilhos. Na noite anterior, eu tinha recebido a pior das notícias e eu pretendia entrar em um profundo porre . Daqueles que eu não simplesmente não lembro por estar porre demais na hora. A festa ocorreu sem grandes excessos. Fizemos uma lasanha e depois todos dançamos ao som de Gretchen.

Algumas horas antes, eu tinha escrito a primeira parte dessa incrivel reportagem em nove capitulos. Sobre um cachorro que eu encontrei estraçalhado na rua.O animal não saía da minha cabeça, não deixava de me perturbar, nem durante o meu sono. Pela manhã, acordei com umas urticárias estranhas embaixo do braço.Liguei para um primo meu que está se formando em medicina e ele disse que existe um numero infinito de possibilidades para surgir urticária nas pessoas.

Meu primo me ensinou o ABC do melanoma. Eu decorei e ficava repetindo todas as noites antes de dormir. Um dia, eu poderia ser a vitíma ou qualquer pessoa que eu conheço. De qualquer forma, eu seria útil.A pessoa antes de morrer, poderia ouvir da minha boca o que era a doença dela e isso me tornaria especial .Meu primo sempre se preocupou demais comigo.Alguns meses antes, ele me ligou:

Ele: "E aí, primo?"

Eu: "Tô bem, apesar do meu drama pessoal."

Ele: "Qual deles?"

Eu: "O de sempre."

Ele: "Qual é mesmo?"

Eu:" Tu sabe."

Ele: "Sei?"

Eu : "Sabe."

Ele: "E a pandora?"

Eu: "Ela está bem"

Ele: " Tá estagiando?"

Eu: "Não, mas sou agente cultural"

Ele: "O que é isso?"

Eu: "São pessoas que zelam pela cultura. Eu escrevo uns textos para um blog falando de bandas, editais de cultura e coisas assim.Eu ajudo em umas festas também. É legal. Me sinto útil"

Ele: " Que bom, Igor. Mas não acho isso compatível com o teu comportamento. Isso te dá algum retorno financeiro?"

Eu: "Não, não dá esse tipo de retorno, primo. Eu não preciso de retorno financeiro.Além do mais, eu estou conhecendo muitas pessoas novas que me ajudam no meu crescimento como pessoa. Tu ia gostar, primo. Tu ainda tem aquele violão? As pessoas que eu trabalho gostam muito de violão, elas tocam de forma doce e despreocupada."

Ele: "Eu destruí o meu violão. Com uma faca. Uma corda arrebentou e feriu o meu rosto. Eu queimei os restos. Aquele instrumento não ajudava no meu crescimento profissional."

Bem, eu desliguei o telefone logo depois. O meu primo sabe como encerrar conversas.Ele é bastante pragmático e correto.Bem, vamos voltar ao assunto do primeiro paragrafo. É necessário antes que eu recontextualize o leitor no texto novamente. Essa é uma regra para um bom texto jornalistico: Sempre relembre o leitor do que você está falando, pois ele tem uma péssima memória.

Eu estava em uma festa, bebendo vodka e comendo lasanha.Estavamos jogando baralho, quem perdia no jogo tinha que virar a vodka. Eu sempre ganhava. "Que sorte terrível e na hora errada. Eu me odeio". Acabei tomando a bebida de quem perdia e de quem ganhava.Eu estava tonto e louco. Adoro andar bebado e refletir sobre o meu drama pessoal e foi o que eu fiz.No caminho, eu ia despejando o meu horror existencial em tudo o que eu visualizava.No supermercado Favorito, na caixa d'agua do buritizal, nas crianças e tudo o que eu lembrava.

Um palhaço( um profissional palhaço, não uma pessoa engraçada) me parou e perguntou se eu podia ajudar ele a divulgar a peça que ele estava fazendo para ajudas crianças com câncer.Eu peguei no ombro dele e disse que a minha tia morreu de câncer. Perguntei como ele tinha descoberto isso, justamente naquele local tão escuro, tão sombrio onde o horror e a mágoa eram os meus únicos companheiros.Eu ri para ele e o abracei. Ele me abraçou também. Eu disse que poderia ajudar a divulgar a peça dele e tudo mais.Ele me perguntou se eu ainda me reunia no Espaço Aberto. Não, eu não me reuno mais no Espaço Aberto, eu disse a ele.Como são essas crianças? Elas são terminais? Devem ser,né? Eu sei o Abc do melanoma. Eu sei como começa, eu sei como termina. Elas podem rir agora, mas amanhã elas vão estar encaroçadas demais para rir.

Algumas vezes, o caroço cresce no rosto. Ele fica imenso. O fedor é insuportavel. Do que vai adiantar essa peça? Do que vai adiantar se degradar por aí, vestido de palhaço? Do que vai adiantar abordar gordos bebados no meio da rua? Do que vai adiantar se reunir para falar da sua peça? Você devia se vestir de branco e fazer campanha para eutanásia. Sim, seria melhor para essas crianças. O palhaço me olhou com nojo e repulsa e eu vomitei em resposta.Virei de costas e continuei a minha andança pela rua.

Um carro passa rua, umas pessoas chamam o meu nome. Eu pedi do fundo do meu coração para que elas morressem.Fechei os olhos e visualizei os corpos deles nos destroços.Caldo de sangue.Muitos pedaços. Algumas pessoas chorando, outras socorrendo. O palhaço do câncer com a roupa melada de sangue tentando puxar o braço de alguem. O braço sai, a pessoa não. Um cachorro preto esfomeado e sedento bebendo o sangue deles. Isso, eu pagava para ver. Por isso, eu me reuniria de novo no espaço aberto. Não, isso não é um bom pensamento. Caia na vala, seu miseravel.

E eu caí. Literalmente.

Não acreditei na cena; não acreditei na dor; não acreditei no inchaço que estava começando a formar no meu tornozelo. Liguei para emergência. 911. Nada. Não era esse o número. Esse é o número dos EUA. George Clooney não poderia vir tão longe de mim para me ajudar. Liguei para minha mãe. Ela me mandou um taxi me buscar. O taxista estava ouvindo uma música, a tradução vinha logo depois da frase.Que cafona. Eu quero morrer. Eu preciso morrer.Antes que esses favelados peçam mais músicas.Músicas com tradução simultânea. Preciso morrer de câncer. Melanoma. Eu sei o ABC do melanoma. Essa doença me deve uma morte dolorida. Isso seria um show bom para se ver. Sim, se o palhaço do câncer me pedisse para promover esse espetaculo, eu faria com muito, muito prazer. Eu, inclusive, reuniria no Espaço Aberto de novo.

Cheguei em casa. Pulando de um pé só. Deitei no sofá. O quadro sem eira, nem beira que ficava na nossa sala passou a ter sentido de mim. Um rio.Correndo ao contrário. Os bois tentam beber da água amaldiçoada, mas a velocidade da água mutila os seus focinhos. Meu avô falou de um primo distante dele que cuidava do gado em uma fazenda. Mudando os bois de lugar. Do alagado ao seco. Durante a travessia, os gados começaram a cair. Algum mal desconhecido os fez cair, mas não os matou. Uma doença terrível. Seria câncer? Não, câncer não é contagioso.Isso eu posso afirmar. Eu sei o ABC do melanoma. Eu conheço o câncer.Era uma ferida aberta que crescia no abdomem.Não era câncer.

O bois passaram a noite urrando de dor. A dor fazia os esfincteres relaxarem. O gramado estava cheio de merda.Os homens se dividiram para sacrificar os bois. Um tiro na cabeça de cada boi e quando acabasse a munição, o jeito era usar a faca.Essa tarefa lhes custou a noite inteira e um pouco da manhã.Quando terminaram, um deles desatou a chorar, disse que tinha sonhado com isso na noite passada. Um sonho turbulento.

De nada adiantava, os bois estavam mortos. A grama suja de sangue. A minha perna estava quebrada.

Fui levado para o pronto socorro.Meu tio me levou. Saí saltitando do carro até umas cadeiras de rodas que estavam na frente. Duas pessoas me ajudaram a chegar na cadeira. Me sentei aliviado por não forçar mais a minha perna direita. Fui levado para emergência. Uma médica sonolenta me atendeu. Olhou com desinteresse para o meu inchaço. O braço dela tinha uma mancha estranha. ABC do melanoma. A de assimetria. Será que é o caso dessa mancha? B de borda.Não, não pode ser.Nem tudo é câncer. A médica me passou um injeção de cataflam e mandou tirar um raio-x da minha perna.

Fui para uma pequena fila na hora da radiografia. Na minha frente, um homem com aqueles negócios de por no pescoço de pessoas quebrada. Um policial o interrogava e o homem mal conseguia responder as perguntas. O policial o cutucou com o cacetete e ele gemeu de dor. Eu esperei ele entrar na sala de raio-x temendo ter que deitar na mesma maca que ele para tirar o raio x e foi o que aconteceu. A mulher do raio-x posicionou o meu pé da forma desconfortavel possivel para a chapa que saiu errada duas vezes.

"Ele quebrou a fíbula",explicou a médica como se estivesse falando de uma verruga qualquer. Olhei desesperado para o meu tio para saber o que osso era esse e ele me explicou que não era um osso tão importante e que em dois meses, eu estaria andando de novo.Dois meses. Eu fechei os meus olhos e pensei no horror que eu teria de enfrentar pelos próximos meses.Fui levado para ser imobilizado. Uma enfermeira de expressão nula me ajudou a por em uma maca. Ela conhecia o meu tio.

"Meu Deus! Olha o tamanho desse menino! Nós temos uma fazenda na estrada que tem vacas do tamanho desse menino. Meu Deus. Muita obesidade.Coloca ele aí. Meu Deus, a maca rebaixou quando ele se encostou.Lá em cima tá cheio de gente, espero que ele não precise ser internado. Muita briga nesse sábado. Essa cidade está naufragando. Eu não aguento mais.Levanta a perna.Pelo menos, eu fui transferida da maternidade. Quinze partos por dia. Essas meninas não sabem se lavar. É cada paca.Não mexe a perna,menino. Não sei o motivo disso, eu morro de pena dessas crianças. Elas fedem muito. Eu fico imaginando em latrina suja elas foram feitas. O cheiro de peixe podre do esperma e esse monte de vagina podre. Meu Deus. Pronto, pode se levantar"

Foram dois meses, dois longos meses. Olhando pela janela, tomando banho sentado, odiando cada pessoa a minha volta com mais intensidade do que eu jamais senti na minha vida.Imaginei o palhaço rindo de mim. Ele e as crianças cancerosas. Todos eles no Espaço Aberto. Os dedos, cheios de tumores, apontando para mim. Oh sim, isso era um show bom de se ver. Minha depressão fazia o gado morrer, as flores secarem, as crianças chorarem. Minha mãe não suportou e me enviou para a casa do meu pai. Passei 15 dias lá.

Um amigo dele perguntou do meu pai se eu estava estagiando. Meu pai disse que eu era agente cultural. O que é um agente cultural?. Meu pai respondeu que são pessoas que ajudam tocadores de violão, hippies e dançarinos. O homem perguntou onde eu fazia essas coisas e o meu pai respondeu que não sabia, pois não falava comigo o suficiente para saber da minha vida. O homem disse que isso era triste. Meu pai concordou.Ele disse que tentaria fazer comigo um serie de programas para diminuir o meu tédio e quem sabe, nos reaproximar.

Ele tentou. Nós fomos em família para um terreno muito muito longe naTessalônica.Chovia muito na época. Meu pai nunca foi de falar e quando eu estou perto dele, eu dificilmente falo. Não é lucrativo. Silêncio ajuda a me manter livre do julgamento dele sobre as coisas, sobre o que eu sou, sobre quem eu me tornei, sobre o que vai ser da minha vida. No nosso caminho, algumas pessoas passavam com vestidos até o chão. Eram crentes, meu pai explicou com um sorriso de escárnio no rosto. Eu fiz uma piada sobre crentes e ele me repreendeu. Não é bom rir da crença alheia.No meio do caminho, ele me perguntou que papo era esse que eu queria morrer.Eu disse a ele que era verdade, que eu não via mais sentido em viver. O mundo é terrivel demais, pai. As pessoas são más, terríveis.Eu sou uma piada.A minha existência é uma piada. O que passarei aos meus filhos? Qual será o meu legado?

Ele disse que isso dependia de mim. Todo homem constrói o seu legado. Eu disse a ele que o meu legado já estava destruído e que eu queria apenas morrer. A maré destruiu tudo. Ele me perguntou se eu já tinha tentado me matar. Eu disse que não. Se a morte viesse, seria por conta própria. Ele me perguntou meu emprego de agente cultural. Eu disse que não era mais. Ele perguntou pela minha empolgação por ajudar as pessoas que eu exibia para todos. Eu disse que era falsa, eu entrei naquele circulo de idiotas por outro motivo. Qual motivo? Eu me calei e depois ri. Perguntei a ele se as pessoas acreditavam nessa minha vontade filantrópica de ajudar artistas esfomeados. Eu sempre soube que todos eles iam fracassar. A vida é perversa demais. O horror dessa cidade iria afogar aqueles artistas, aqueles jovens cheios de alegria com aqueles instrumentos se tornando reis de alguma coisa por um breve momento. Todos iriam esquecer daquilo um dia. Todos iriam fracassar. Um dia, eu iria encontrar eles por aí. Alguns deles formados, outros em alguma oficina , trocando pneus.Nada dá certo na cidade, nada funciona, nada cresce, nada floresce. E, de certa forma, eu gosto disso. Eu gosto do fracasso alheio. Eu gosto do meu fracasso. Me faz sentir vivo como poucas coisas.

Ele me perguntou por que eu passei tanto tempo discursando a respeito de ser um agente cultural, se eu pensava dessa forma tao terrível. O terreno da tessalônica é cheio de subidas e descidas. Os evangélicos daquela região permanecem isolados do resto da sociedade. A fé é o principal recurso deles. É o que alimenta os filhos, é o que faz as crianças correrem, as mulheres lavarem a roupa no rio e tambem é o que mantem a sanidade em um lugar tão isolado. Tão distante de tudo.

Meu pai lembrou de uma familia de crentes que morava do lado da casa deles. Eles tinham duas filhas. Elas cantavam no pátio, louvando Deus por todo o milagre que ele havia feito nas vidas deles. Um bom pai. Uma boa mãe. Uma boa casa. Uma das filhas precisou viajar para longe, para recife, eu acho. Ela passou um bom tempo deprimida lá, sempre escrevia para os pais, falando da falta terrível que eles faziam a ela. As férias de julho eram aguardadas pela familia. Todos estariam juntos. Não aconteceu. A moça foi assaltada, espancada, estuprada e assassinada.

A familia partiu da vizinhança dos meus avós para alguma outra cidade. Eles estavam acabados.

Alguns anos depois, o pai das meninas visitou o meu avô. Eu tinha oito anos. O homem contou de um terreno que eles tinham no nove. Nesse terreno, havia uma plantação de tomates.Quando a mocinha morreu, eles deixaram o lugar aos cuidados de ninguem. Agora que eles estavam de volta a Macapá, o local continuava como estava. A plantação de tomates intacta, porem mais selvagem. Ele fez um gesto com a mão para mostrar o tamanho do tomate.

É um milagre, ele disse. Nós concordamos.








domingo, 25 de julho de 2010

Planeta Góes 7 de 9: O pássaro negro

Dedicado a um homem que eu vi na rua. Ele não tinha uma perna e um braço, mas tinha uma tatuagem feita com tinta verde com a frase: "Na torturas, toda carne se trai".

Relendo os posts anteriores dessa incrível matéria em nove partes, percebi que falei pouco do nosso ex-governador Waldez Góes e das terras tucujús. Erro meu. A coisa descambou para outro lado; isso é um erro fatal para um jornalista, pois devemos ser objetivos e concisos. Jamais vou conseguir esse objetivo, pois tenho uma falta de atenção patológica e nem tenho vontade de escrever textos jornalisticamente corretos. Eu odeio essa profissão e me odeio também.

Mas preciso seguir com algumas coisas pré-estabelecidas ou me perderei para sempre. Bem, por isso, deixarei de me incluir tanto nas coisas que ando escrevendo e deixarei os fatos fluírem por si próprios.

Nosso post começa com um dia que eu estava perdido andando por Macapá. Eu estava meio ébrio e as minhas faculdades mentais estavam meio confusas, mas isso não me impediu de visualizar dois homossexuais trocando carícias de cunho sexual, encostados em um carro. Tive vontade de chicoteá-los com o chicote do cristianismo e dos bons costumes, mas preferi bater um papo racional com eles.

Não tenho nada contra gays. Chamaram-me de gay a vida toda. Teve vezes que quase aceitei essa realidade e me conformei. Seria bem mais fácil. Minha mãe comentou um dia desses que eu tive a sorte de nascer branco e que se eu virasse gay, eu ainda teria mais chances na vida de que três quartos da África.Um belo argumento,não?

Então me tornei gay. Gay por 3 meses. Minha única experiência nesse estado foi alugar um filme pornô com uns caras tocando tambor com o pau. Aluguei o filme, meu coração cheio de culpa, e fui para casa. Pus o filme no DVD. Um som tribal invadiu a sala.Um homem apareceu escorado em um tambor com outro homem pregado nele. Foco no pênis, as veias pulsando.Enquanto era penetrado frenéticamente, o moço do tambor gritava o nome do Deus de Isaac, Abraão, Jó.

Algo naquele filme era verdadeiro. Não eram os gritos de prazer, nem a iluminação malfeita no rosto daqueles atores. Na verdade, eu não sei o que era. Acho que não era nada. Os gays desses filmes devem limpar a bunda, vestir uma roupa e beijar o seus filhos, frutos de um casamento hetero.

Deus não deve odia-los, mas me odeia.Depois de ver o filme, eu vi que não queria mais ser gay e agir de uma forma tão séptica na hora do amor.Deixei de ser gay, fiquei a deriva. O horror e mágoa, meus únicos companheiros. As ondas da depressão me carregando para mais fundo do mar da destruição, naquela parte que sempre tem tubarões. Os pequenos peixes da angústia adentrando o meu ânus de forma frenética e eu sem poder reagir.

Voltando aos homossexuais do parágrafo anterior. Eles foram gentis comigo. Até demais. Sou extremamente inconveniente porre. Um deles me contou que não estava se sentindo muito bem naquele dia e ficou mexendo nos botões da camisa. Eu fiquei olhando para a rua. Para o cemitério do Buritizal. Quebrei a minha perna lá na frente. Dois meses de confinamento. Eu ainda volto lá.Observo o buraco onde eu caí. Refaço os meus passos, mas não consigo cair de novo.

Disse aos rapazes que eu não queria mais importuná-los. Um deles revirou o olho de forma aliviada.Eu perguntei qual era o motivo da revirada. Ele disse que não me interessava. Eu expliquei a ele que como a revirada aconteceu depois que eu concluí a minha oração, eu merecia saber. Ele mandou eu me foder. Eu pedi que ele fizesse o mesmo. O parceiro dele me apontou o dedo.Eu disse para ele meter o dedo na bunda e expliquei aos dois que sentia pena de viados.Os dois riram de mim e me chamaram de enrustido. Contei a eles que já fui gay durante um período da minha vida, mas desisti ao ver um filme pornô. Um deles me recomendou um psicólogo. Não preciso disso. Nunca precisei. Ambos riram.De novo.De novo. O riso se tornou uma gargalhada. A gargalhada se tornou uma convulsão.

Um deles, me falou do avô que passou a vida batendo punheta escondido da esposa, dos filhos, do churrasco de domingo. Um dia, ele resolveu viajar para Belém do Pará. Alugou um apartamento com pouca mobília. Saía de casa apenas para comprar pão. Não fazia barulho, não cumprimentava os outros vizinhos. Durante a noite, ele deixava o apartamento e voltava com um odor repugnante. Os porteiros sentiam e comentavam com os outros vizinhos. Cheiro de quem levou pimbada. Como eles sabiam? Eles têm pimba, ora. Eles devem saber o odor. A lavadeira do prédio afirmou que sentia o odor nas roupas do velho. Um dia, ela encontrou sangue em uma cueca e mostrou aos demais moradores do prédios. Todos riram.

Uma das vizinhas perguntou ao velho aonde ele ia durante a madrugada. Ele contou que ia visitar uma tia que sofria de uma doença que a sufocava enquanto ela dormia. Ele sempre colocava a tia sentada para ela não se sufocar com a saliva e ela agradecia a ele infinitamente. A vizinha o encarou com dúvida, mas fingiu que acreditou.Depois, ela comentou com os outros vizinho e acrescentou detalhes. Havia algo branco preso no cabelo dele, ela disse. Todos riram, eu ri também.

Alguns meses depois, o velhinho foi encontrado morto. O cheiro era mais insuportável que nunca.

Eu indaguei com o rapaz homossexual se ele pretendia estabelecer paralelos do avô bicha dele comigo. Sim, ele pretendia e estava fazendo. Me senti meio ofendido e comecei a chorar. Os dois viados riram. O riso virou uma gargalhada. A gargalhada virou uma convulsão. Disse aos dois que eu estava ficando irritado. A convulsão virou algo pior e eu saí de lá humilhado. Rezando para que um meteoro caísse na minha cabeça( não pela última vez nesse post).

Voltei para casa com o meu coração destruído. O horror consumindo a minha alma. Cheirei as minhas roupas para ver se elas fediam a rola. Não fediam. Sempre fui muito cheiroso. Ainda bem. Cheirei o meu guarda roupa também. Sem cheiro. Tomei um banho. Dois banhos. três banhos. Acabei um vidro inteiro de álcool gel no corpo. Todos os poros ardiam. Álcool gel é recomendado apenas para as mãos.

Dormi agoniado. Acordei angustiado.

O sol ainda não havia chegado.

Me dediquei a numerar os meus livros.Numerar essas porcarias não serve de nada.Nunca serviu.No meio dos meus papéis, achei um santinho com a cara do ex-governador Góes e embaixo, o numero 12.Um sorrisinho imbecil.A oleosidade do rosto acentuado por algum iluminador incompetente. Meu avô diz que esse homem é corno. Meu pai diz que ele é otário. Minha mãe diz que ele é gay. No entanto para cada parente idiota meu, existe um milhão desses santinhos. Se ele quisesse, ele poderia afogar a minha família com quatro toneladas de santinhos inexpressivos.

Vou me masturbar com essa foto, eu pensei. Vou sujar a cara desse merda com o meu esperma infecto. Vou macular com o meu esperma esse sorriso imundo. Quero que ele morra, depois de pensar nisso, bati numa mesa. Acabei adormecendo. O despertador da minha casa é o rádio da empregada, sempre acordei com essa merda terrível. Mesmo quando mudamos de empregada, o único legado entre elas era esse maldito rádio imbecil.

Nesse dia, a minha mãe chegou em prantos em casa. Um amigo antigo dela havia morrido. Davi era o nome dele. Eles foram namorados na infância. Ele resolveu ir para São Paulo e ela não quis deixar Macapá.Fora da nossa cidade, ele teve uma vida promissora, recebíamos diversas cartas dele, algumas acompanhadas de fotos. Nessas fotos, o sol refletia os seus raios no esmalte dos dentes daquele homem. Foi câncer, sempre é câncer. Ele chegou naquela noite. Caixão fechado. Os filhos não quiseram vir. O pai do morto explicou que ele tinha tido alguns problemas de ordem mental nos últimos anos. Ser filho dele não era mais orgulho.

Não quis ir ao velório. Defuntos são todos iguais. A minha mãe me deixou na casa da minha Vó.Ler todas as linhas desse blog não é tão dramático quanto passar 10 minutos com a minha Vó materna.Ela explana todo o sofrimento de ser uma senhora aposentada nesse mundo super cruel;de como as galinhas que ela cria no quintal estão demorando a botar ovos; de como uma calha tão cara ,como a da casa dela, vive entupida; de como eu estou gordo; de como é ruim ter 70 anos; de como é ruim fazer fisioterapia sem morfina(!) e de como ela se odeia e quer morrer.

Odeio gente dramática.

Meu avô lia um livro embaixo do jambeiro.Quando eu comecei a criar consciência da minha vida, essa árvore já existia. Meu avô a plantou quando o meu pai tinha uns seis, sete anos.No pátio de lá, tem uma mangueira também que foi plantada depois do jambeiro.O livro era sobre o profeta João Batista.

Filho de Zacarias e Izabel, ele sempre foi uma criança abençoada. Morou no deserto. Livre do pecado, da vida mundana, do horror do sexo. Batizou Jesus Cristo. Acabou decapitado. A cabeça numa bandeja. Eu, particularmente, gosto desse profeta.

Meu avô fechou o livro que estava lendo e começou a conversar comigo. Ele lembrou do tempo que morou na vila do Amapá. Onde tudo era mato e mais mato. Naquela época, o mundo ainda tinha mistérios. Meu avô trabalhava como pedreiro. Passava três, quatro meses fora para conseguir alguma miséria para os filhos. Minha Avó era professora.

Durante essas viagens, eles ficaram em lugar particularmente alagado demais.Dormiram muito mal com mosquitos enchendo o saco a noite inteira.A maloca que eles estavam era cheia de goteiras.Dormir não era uma boa idéia e eles não dormiram. Ficaram em uma conversa sem fim sobre as coisas do mundo. Foram interrompidos por um barulho estranho no mato. Uma cantoria.

Umas pessoas estavam passando por lá, em procissão. As imagens eram a de Jesus Cristo e de um pássaro preto coroado. A imagem de Jesus era bem diferente do habitual, ele não estava ensangüentado, agonizando ou algo do tipo. Ele usava uma coroa, o manto era vermelho e dourado. O olhar era penetrante, destruidor, maligno.

No entanto, Jesus não era a imagem daquela procissão. Era o pássaro preto.Imenso. Era necessário quatro pessoas para suportar o peso. Nas garras do animal, havia varias fitas vermelhas com nome de pessoas e alguma coisa escrita. Meu avô não pode ler, ele era analfabeto.

Os pés das pessoas estavam sujos de lama. As expressões dos rostos estavam cansadas. Eles deviam estar naquilo há varias horas. Meu avô e os pedreiros ficaram horas olhando para a procissão. Quando ela sumiu no mato, a chuva parou. O sono veio e eles dormiram.








sexta-feira, 2 de julho de 2010

Planeta Góes 6 de 9: Amantes de criancinhas.

Dedicado a minha eternamente amada amiga Jenifer Nunes que ,quando canta ,faz voz de criancinha.

Eu, minha irmã, meu irmão bebê e o meu pai fomos a uma padaria tomar café da manhã. Era um programa desagradável. Muito.Muito mesmo. O meu despertar é sempre conturbado.Assim que eu abro os olhos, o meu estômago começa a doer, o suco gástrico vai parar na minha língua; o gosto escroto me dá causa ânsia de vômito; meu peito acorda chiando, devido a asma; minha garganta acorda seca e seriamente irritada.Uma lista longa, bastante longa. Sempre que íamos a padaria, eu não conseguia me curar de todos esses sintomas matutinos.Daí o meu mau humor matutino era dobrado.

Meu irmão ainda era bastante bebê na época. Fruto do terceiro casamento do meu pai, é o irmão fora do casamento que eu mais tenho contato.Quando ele era bebê, esse contato era maior.Hoje...Nem tanto. A mesa que o meu pai escolhia ficava de frente para a rua, o que me causava muito constrangimento e preocupação com a sepsia do alimento que eu estava ingerindo.Meu corpo não é um templo, mas não é lixeira. O bom rapaz deve sempre cuidar do seu corpo. Não sou um bom rapaz, sou obeso.

Perto da nossa mesa, estava um homem solitário. Ele aparentava ter 35 anos. O rosto era muito oleoso, realmente oleoso. A pele era morena.Ele usava uma camisa com consistência de meia-calça feminina(Nossa, que bom que não fabricam mais esse tipo de roupa). Ele estava inquieto. As pernas não paravam embaixo da mesa. Quando a minha madrasta passou com o meu irmão no colo, ele fez questão de cumprimenta-la pelo filho cheio de saúde que ela carregava.Ele riu para mim e eu desejei que ele morresse(desejo isso a todos quando eu acordo).

Começamos a comer a nossa refeição. Meu pai começou a lembrar que eu era uma criança obesa e que eu não devia comer tanto. Eu disse a ele que eu era gordo por causa do corticóide. Ele retrucou dizendo que eu era gordo devido a minha falta de vergonha.Eu levantei a hipótese de que a minha falta de vergonha poderia ser hereditária, uma vez que ele tinha sido um calhorda com a minha mãe. Ele não aceitou a minha hipótese e me explicou que eu iria apanhar devido a minha insolência.Eu expliquei a ele que eu não iria sentir tanto o efeito das palmadas pelo simples fato de eu conseguir isolar as sensações de humilhação que causam o choro na hora que as pessoas apanham dos pais. Nossa discursão foi interrompida por um caminhão da tropigás que fez um barulho estrondoso quando passou por cima de um buraco.

Minha madrasta perguntou quem era o homem da camisa de meia calça. Meu pai explicou que ele era um pedófilo, um animal, um fracassado e que trabalhava em uma gráfica. Provindo de uma família numerosa, ele constantemente abusava de seus irmãos menores que , apesar de violados sexualmente, não contavam nada para ninguem. Coisas de família. No entanto, as criancinhas foram crescendo. Sem ter com o que se divertir em casa, o rapaz comprou um playstation.

Na posse de um bom videogame, a casa dele começou a ficar lotada de meninos de 12 anos para baixo. Destituídos da maldade dos homens grandes, os rapazes eram constantemente boqueteados.A cama era de casal. Daí enquanto, um rapaz passava por uma selvagem fase no crash bandicoot, outro era possuído para esperar o tempo. Apesar disso, não foi dessa vez que o amante de criancinhas foi pego.

O governo Góes assumiu em 2002. Eu ainda lembro dos fogos na vizinhança. O governador Waldez era uma esperança azul para os dias sombrios do ex-governador Capi. Apesar desse ar mítico, eu não conseguia ver grandiosidade naquele homem narigudo, de sorriso torto e cara de masturbador de onças do zoológico da fazendinha. Apesar da cara de banana, o novo governador foi devastador. Os cargos antigos e ociosos que os amarelos ocupavam na era Capi foram dados a outras pessoas. Novas secretarias surgiram. No lugar do populismo bobo da era capi, o novo governo procurava um novo padrão de competencia na prestação de serviços. O CAP( atual superfácil) é um desses. SOJA. No lugar da exportação de coisas demodê como o açaí, a SOJA marcava um novo governo que pouco se lixava para coisas da terra e procurava um novo padrão comercial.Com razão, eu acho. Sempre achei a amapalidade meio cafona.

A familia do nosso personagem principal( o pedófilo, não eu) foi uma das que sofreram com essa nova era. Sem os bons cargos do antigo governo, eles tiveram que se mudar para um bairro da zona norte. Além da mudança de um local para outro, mais algumas despesas foram brutalmente cortadas. O playstation do nosso personagem foi um desses. Para se sustentar nesse mundo imundo, ele teve que trabalhar em uma mecânica. Lá, ele cuidava dessas coisas que envolvem pneus. Encher, secar, emendar. Coisas do tipo.

Durante a noite, ele virava uma pantera e saía para badalar na orla da cidade. Alvo: vendedores de amendoim. Ele os reunia em um local bem escuro e comprava o amendoim dos meninos, em troca, ele lambia os umbigos das crianças. Como rendia bastante dinheiro, a procura pelo nosso protagonista foi bastante grande. Algumas crianças barganhavam outras partes do corpo para serem lambidas em troca de um valor maior de dinheiro.O pedófilo aceitava, as crianças aproveitavam. Aproveitando do espiríto empreendedor que o novo governo propagandeava, elas passaram a se produzir com mais sensualidade.

O menor H dizia que era muito normal que as crianças se lambuzassem de óleo para definir melhor os seus corpinhos infantis. O pedófilo, no entanto, preferia as que tinham aquela barriguinha que toda criança tem.Se tem algo que o leitor concorda com o nosso protagonista é que criança adulta é vulgar demais.Eu concordo nessa parte tambem.

As crianças então passaram a aproveitar da inocência do nosso protagonista. As lambidas passaram a ser cronometradas, quando o tempo era ultrapassado, o pedófilo recebia tapas violentos na face. Uma vez, um rapaz de 8 anos, com o nariz escorrendo, tirou sangue das narinas do nosso protagonista por ele passar 2 segundos do tempo previsto. Lamber umbigos deixou de ser prazer, virou um suplício.

Suplícios são coisas dolorosas. Um asmático, igual a mim, precisa de oxigênio. Um diabético de insulina. Um pedófilo precisa de um corpo infantil para descarregar a impureza do seu corpo. Quando eles não conseguem, o esperma pulsa selvagemente em seus orgãos, o fluído torna-se um algoz. Pulsando loucamente, trazendo dor , desespero e outras coisas parecidas. Quando o dinheiro do amante de crianças começou a rarear, a dor surgiu. A area entre o pênis e o ânus passou a ficar tão dolorida que ele mal podia andar.

Bem, ele não podia se masturbar? Sim, ele podia.Todos nós podemos. A única liberdade do homem é poder causar a sua própria ejaculação.Todos nós, homens, sabemos disso.Ele, um verme, tambem sabia disso. Eram manhãs intermináveis.Quando ele conseguia, o esperma vinha acompanhado de sangue. Ele engolia ambos e rezava em desespero para que o Deus de Abraão abreviasse a sua dor. Não importa de forma fosse.

Sem sucesso. Essas preces nunca dão em nada.

As crianças passaram a se enjoar dele. Um dia, uma o denunciou a um policial. Ele apanhou no camburão. Apanhou na cela da cadeia. Apanhou dos outros pesos.Um dos presos meteu um cabo de ferro no ânus dele e depois comentou com os companheiros de cela que o sangue do animal era vermelho como o dele. Todos riram. Um deles, um assassino confesso, se defecou pois não conseguiu controlar o esfincter.

O tempo passou. Sempre desconfio da passagem parcial do tempo. As vezes muito rápida, outras devagar demais. Mas o nosso protagonista foi libertado e foi parar na mesma padaria que eu. Agora existe um problema sério aqui. Não consigo mais retomar o inicio do texto. Isso me irrita.Demais.

Um dia desses, eu vi uma lagartixa soltando o rabo para despistar algo que eu não sei exatamente o que era. Devia ser um sapo. Sapos comem esses bichos? Acho que não. Sapos comem mosca. Na verdade, eu não sei de nada e nunca vou saber.