domingo, 28 de março de 2010

Planeta Góes-(incrivel reportagem em 9 partes sobre a capital tucuju, escrita por Igor Reale). Post de hoje: Sobre o cachorro negro morto.


Uma amiga minha me chamou para dar um passeio. Ela queria apenas passear por passear. Isso acontece muito quando não há o que fazer, nem o que pensar e nem o que sei lá.Sempre tive um problema terrível com esta minha amiga. Sempre fui rodeado de amizades femininas, herança da minha mãe. Fui criado para ser um cabelereiro bicha , dono de um salão e um poodle pintado de rosa chamado charlotte. Dessa forma, sempre me dei muito bem com mulheres (de forma polida) e as mulheres sempre se deram muito bem comigo (de forma imparcial e distante).


Infelizmente, não conseguia achar um meio termo para a amizade que tinha com esta minha amiga.É raro, muito raro, as situações que eu perco a minha imparcialidade,desconfiança e o meu cinismo para com as pessoas. Perdi com ela. Julgava todas as suas atitudes. Os pequenos deslizes que eu deixava escapar nos meus outros amigos, com ela eram julgados de forma cruel da minha parte. Todo sorriso que escapava dos lábios dela, eu considerava duvidoso, falso e pauta para anotar no meu caderno de anotações sobre atitudes duvidosas.Toda declaração de amizade soava como um abraço preliminar para um apunhalamento.

Mesmo assim, eu estava sempre ao lado dela, movido pela traição e pela desconfiança ou por algo bem pior que eu ainda não sabia descrever. Ou sabia. Nunca irei saber.Sou muito prolixo. Irei voltar ao tema principal deste texto. A minha prolixidade deve ser perdoada, eu tenho um problema cruel com coesão. Quando não sou sucinto demais, me perco em palavras que nem sempre são úteis. Minha mãe é assim. Realmente prolixa. Lembro de uma vez que eu estava falando de meus sentimentos em relação a minha irmã para ela e o assunto principal, de repente, se tornou o uso ou o não-uso de batatas fritas no almoço. Sou um rapaz gordo. Batatas fritas contem óleo demais. Trocamos as batatas feitas no óleo por batatas de pacote.

Fui convidado pela minha amiga para apenas andarmos de forma descompromissada, em um domingo. A cidade estava morta. Morta em um novo e vazio sentido. Macapá sempre tem cheiro de algo podre, algo funebre demais para se descrever.Um cemitério de elefantes pequeno e com solo impróprio demais para que os elefantes possam se deteriorar com a devida precisão. Não é culpa nossa.Os indios , antigos donos dessa terra que moram agora embaixo da terra, engolindo vermes devem nos odiar. Afinal, estupramos a terra amada deles. Aliás, não sei se essa terra já foi amada por alguem em algum dia. Não sei se algum morador dessa ilha, já acordou em um dia lindo e agradeceu pela terra que o acolheu. Duvido muito. Os indios nos deixaram como herança algo terrivel: a predileção por suicídio e por serem massacrados pelas circustâncias.

Como já tinha escrito antes, minha amiga me chamou para um passeio descompromissado. Eu a encontrei na praça Veiga Cabral. Me desculpem, mas não sei se o lugar que nos encontramos era essse.Me desculpem. Minha memória esta horrível esses tempos. Houve um tempo, não muito distante que eu lembrava de fatos remotos.Realmente remotos.No passado, odiava esse meu "dom". Afinal, assim como existem boas lembranças, existem lembranças terriveis.Meu pessimismo me faz lembrar com detalhes apenas das piores. Hoje, minhas memória estão mais frágeis e dispersas. O alcool ou o excesso de lembranças devem ter feito isso comigo. Agradeço. Do fundo do meu coração.

Nos encontramos. Eu e a minha amiga. Minha terrível memória me faz lembrar da forma que ela estava vestida, da forma que me cumprimentou. Sempre distante, devido as minhas restrições com cumprimentos calorosos como abraços, beijos na face, apertos no pênis e coisas do tipo. A regra que eu delimitei para ela foi mais perversa: sem abraços. Abraços, na lista de cumprimentos que me enojam, sempre me deixam nervoso e tenso. Minha vó materna sempre odiou abraços. Um dia, quando criança, eu a abracei e dei um chocolate a ela. Ela me olhou com nojo e repressão. Vovó sempre deve ter achado que eu era um pequeno viadinho.Eu não a culpo.

Eu encontrei minha amiga no centro de Macapá. Tenho a impressão que o leitor está terrivelmente irritado com a vagarosidade da narração dos fatos. Devo lembrar que isto é uma reportagem de cunho jornalistico. Sim, ainda é. Pois estou comentando fatos socio-culturais desse estado. O fato do nome "Planeta Góes" está atrelado ao titulo não é de graça. A unica forma que o ser humano encontrou para dar uma opinião sobre algo quando não tem nenhuma opinião formada em sua oca cabecinha foi falar mal do governo. Não sei como anda o governo. Me desculpem. Mas queria receber um bom dinheiro em um bom cargo.

Minha amiga e eu conversamos sobre algo que eu não lembro.Nossos assuntos eram bem diversos. Apesar da confusão horrenda e sentimental que tinha por ela, eu realmente contava coisas bem pessoais para ela. Algo meio Silêncio dos inocentes.Infelizmente, não lembro dos assuntos que conversamos. Que pena.Se eu lembrasse, poderia enrolar vocês por mais 9 paragrafos.Não irei mais fazer isso.

Vimos um cachorro morto na rua. Um grande e terrivel cachorro preto morto. Suas patas estavam em um angulo terrivel. A cabeça esmagada. Minha amiga não suportou olhar para ele e e escondeu o rosto no meu ombro. Fiquei em uma situação realmente dificil. Pois odeio ver coisas mortas e odeio pessoas escoradas em mim. Para tentar contornar a situação, comecei a divagar sobre o cachorro morto.Ele devia ser dono da matilha, afinal tinha um porte realmente grande. Dificil de ver pelas ruas. Acho que os outros cachorros deviam morrer de medo e horror dele. Ele tinha uma coleira. Devia ser de alguem. Um portão deve ter liberado ele para o mundo, para ele espalhar o horror da sua presença gigantesca, porem, um caminhão deve ter o encontrado antes.

Andamos rápido para se afastar do cachorro. Minhas pernas tremiam. Quando o cachorro sumiu de vista. Fiquei aliviado. Acho que minha amiga fumou um cigarro.Não lembro. Não quero lembrar. Ontem faz um ano que vimos o cachorro. Vejo essa minha amiga tão raramente que tenho duvidas se ainda posso chama-la de "amiga". Espero ainda poder.Não ligaria se não pudesse. Mentira minha. Morreria pela chance de encontrarmos outro cachorro morto.

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