domingo, 25 de julho de 2010

Planeta Góes 7 de 9: O pássaro negro

Dedicado a um homem que eu vi na rua. Ele não tinha uma perna e um braço, mas tinha uma tatuagem feita com tinta verde com a frase: "Na torturas, toda carne se trai".

Relendo os posts anteriores dessa incrível matéria em nove partes, percebi que falei pouco do nosso ex-governador Waldez Góes e das terras tucujús. Erro meu. A coisa descambou para outro lado; isso é um erro fatal para um jornalista, pois devemos ser objetivos e concisos. Jamais vou conseguir esse objetivo, pois tenho uma falta de atenção patológica e nem tenho vontade de escrever textos jornalisticamente corretos. Eu odeio essa profissão e me odeio também.

Mas preciso seguir com algumas coisas pré-estabelecidas ou me perderei para sempre. Bem, por isso, deixarei de me incluir tanto nas coisas que ando escrevendo e deixarei os fatos fluírem por si próprios.

Nosso post começa com um dia que eu estava perdido andando por Macapá. Eu estava meio ébrio e as minhas faculdades mentais estavam meio confusas, mas isso não me impediu de visualizar dois homossexuais trocando carícias de cunho sexual, encostados em um carro. Tive vontade de chicoteá-los com o chicote do cristianismo e dos bons costumes, mas preferi bater um papo racional com eles.

Não tenho nada contra gays. Chamaram-me de gay a vida toda. Teve vezes que quase aceitei essa realidade e me conformei. Seria bem mais fácil. Minha mãe comentou um dia desses que eu tive a sorte de nascer branco e que se eu virasse gay, eu ainda teria mais chances na vida de que três quartos da África.Um belo argumento,não?

Então me tornei gay. Gay por 3 meses. Minha única experiência nesse estado foi alugar um filme pornô com uns caras tocando tambor com o pau. Aluguei o filme, meu coração cheio de culpa, e fui para casa. Pus o filme no DVD. Um som tribal invadiu a sala.Um homem apareceu escorado em um tambor com outro homem pregado nele. Foco no pênis, as veias pulsando.Enquanto era penetrado frenéticamente, o moço do tambor gritava o nome do Deus de Isaac, Abraão, Jó.

Algo naquele filme era verdadeiro. Não eram os gritos de prazer, nem a iluminação malfeita no rosto daqueles atores. Na verdade, eu não sei o que era. Acho que não era nada. Os gays desses filmes devem limpar a bunda, vestir uma roupa e beijar o seus filhos, frutos de um casamento hetero.

Deus não deve odia-los, mas me odeia.Depois de ver o filme, eu vi que não queria mais ser gay e agir de uma forma tão séptica na hora do amor.Deixei de ser gay, fiquei a deriva. O horror e mágoa, meus únicos companheiros. As ondas da depressão me carregando para mais fundo do mar da destruição, naquela parte que sempre tem tubarões. Os pequenos peixes da angústia adentrando o meu ânus de forma frenética e eu sem poder reagir.

Voltando aos homossexuais do parágrafo anterior. Eles foram gentis comigo. Até demais. Sou extremamente inconveniente porre. Um deles me contou que não estava se sentindo muito bem naquele dia e ficou mexendo nos botões da camisa. Eu fiquei olhando para a rua. Para o cemitério do Buritizal. Quebrei a minha perna lá na frente. Dois meses de confinamento. Eu ainda volto lá.Observo o buraco onde eu caí. Refaço os meus passos, mas não consigo cair de novo.

Disse aos rapazes que eu não queria mais importuná-los. Um deles revirou o olho de forma aliviada.Eu perguntei qual era o motivo da revirada. Ele disse que não me interessava. Eu expliquei a ele que como a revirada aconteceu depois que eu concluí a minha oração, eu merecia saber. Ele mandou eu me foder. Eu pedi que ele fizesse o mesmo. O parceiro dele me apontou o dedo.Eu disse para ele meter o dedo na bunda e expliquei aos dois que sentia pena de viados.Os dois riram de mim e me chamaram de enrustido. Contei a eles que já fui gay durante um período da minha vida, mas desisti ao ver um filme pornô. Um deles me recomendou um psicólogo. Não preciso disso. Nunca precisei. Ambos riram.De novo.De novo. O riso se tornou uma gargalhada. A gargalhada se tornou uma convulsão.

Um deles, me falou do avô que passou a vida batendo punheta escondido da esposa, dos filhos, do churrasco de domingo. Um dia, ele resolveu viajar para Belém do Pará. Alugou um apartamento com pouca mobília. Saía de casa apenas para comprar pão. Não fazia barulho, não cumprimentava os outros vizinhos. Durante a noite, ele deixava o apartamento e voltava com um odor repugnante. Os porteiros sentiam e comentavam com os outros vizinhos. Cheiro de quem levou pimbada. Como eles sabiam? Eles têm pimba, ora. Eles devem saber o odor. A lavadeira do prédio afirmou que sentia o odor nas roupas do velho. Um dia, ela encontrou sangue em uma cueca e mostrou aos demais moradores do prédios. Todos riram.

Uma das vizinhas perguntou ao velho aonde ele ia durante a madrugada. Ele contou que ia visitar uma tia que sofria de uma doença que a sufocava enquanto ela dormia. Ele sempre colocava a tia sentada para ela não se sufocar com a saliva e ela agradecia a ele infinitamente. A vizinha o encarou com dúvida, mas fingiu que acreditou.Depois, ela comentou com os outros vizinho e acrescentou detalhes. Havia algo branco preso no cabelo dele, ela disse. Todos riram, eu ri também.

Alguns meses depois, o velhinho foi encontrado morto. O cheiro era mais insuportável que nunca.

Eu indaguei com o rapaz homossexual se ele pretendia estabelecer paralelos do avô bicha dele comigo. Sim, ele pretendia e estava fazendo. Me senti meio ofendido e comecei a chorar. Os dois viados riram. O riso virou uma gargalhada. A gargalhada virou uma convulsão. Disse aos dois que eu estava ficando irritado. A convulsão virou algo pior e eu saí de lá humilhado. Rezando para que um meteoro caísse na minha cabeça( não pela última vez nesse post).

Voltei para casa com o meu coração destruído. O horror consumindo a minha alma. Cheirei as minhas roupas para ver se elas fediam a rola. Não fediam. Sempre fui muito cheiroso. Ainda bem. Cheirei o meu guarda roupa também. Sem cheiro. Tomei um banho. Dois banhos. três banhos. Acabei um vidro inteiro de álcool gel no corpo. Todos os poros ardiam. Álcool gel é recomendado apenas para as mãos.

Dormi agoniado. Acordei angustiado.

O sol ainda não havia chegado.

Me dediquei a numerar os meus livros.Numerar essas porcarias não serve de nada.Nunca serviu.No meio dos meus papéis, achei um santinho com a cara do ex-governador Góes e embaixo, o numero 12.Um sorrisinho imbecil.A oleosidade do rosto acentuado por algum iluminador incompetente. Meu avô diz que esse homem é corno. Meu pai diz que ele é otário. Minha mãe diz que ele é gay. No entanto para cada parente idiota meu, existe um milhão desses santinhos. Se ele quisesse, ele poderia afogar a minha família com quatro toneladas de santinhos inexpressivos.

Vou me masturbar com essa foto, eu pensei. Vou sujar a cara desse merda com o meu esperma infecto. Vou macular com o meu esperma esse sorriso imundo. Quero que ele morra, depois de pensar nisso, bati numa mesa. Acabei adormecendo. O despertador da minha casa é o rádio da empregada, sempre acordei com essa merda terrível. Mesmo quando mudamos de empregada, o único legado entre elas era esse maldito rádio imbecil.

Nesse dia, a minha mãe chegou em prantos em casa. Um amigo antigo dela havia morrido. Davi era o nome dele. Eles foram namorados na infância. Ele resolveu ir para São Paulo e ela não quis deixar Macapá.Fora da nossa cidade, ele teve uma vida promissora, recebíamos diversas cartas dele, algumas acompanhadas de fotos. Nessas fotos, o sol refletia os seus raios no esmalte dos dentes daquele homem. Foi câncer, sempre é câncer. Ele chegou naquela noite. Caixão fechado. Os filhos não quiseram vir. O pai do morto explicou que ele tinha tido alguns problemas de ordem mental nos últimos anos. Ser filho dele não era mais orgulho.

Não quis ir ao velório. Defuntos são todos iguais. A minha mãe me deixou na casa da minha Vó.Ler todas as linhas desse blog não é tão dramático quanto passar 10 minutos com a minha Vó materna.Ela explana todo o sofrimento de ser uma senhora aposentada nesse mundo super cruel;de como as galinhas que ela cria no quintal estão demorando a botar ovos; de como uma calha tão cara ,como a da casa dela, vive entupida; de como eu estou gordo; de como é ruim ter 70 anos; de como é ruim fazer fisioterapia sem morfina(!) e de como ela se odeia e quer morrer.

Odeio gente dramática.

Meu avô lia um livro embaixo do jambeiro.Quando eu comecei a criar consciência da minha vida, essa árvore já existia. Meu avô a plantou quando o meu pai tinha uns seis, sete anos.No pátio de lá, tem uma mangueira também que foi plantada depois do jambeiro.O livro era sobre o profeta João Batista.

Filho de Zacarias e Izabel, ele sempre foi uma criança abençoada. Morou no deserto. Livre do pecado, da vida mundana, do horror do sexo. Batizou Jesus Cristo. Acabou decapitado. A cabeça numa bandeja. Eu, particularmente, gosto desse profeta.

Meu avô fechou o livro que estava lendo e começou a conversar comigo. Ele lembrou do tempo que morou na vila do Amapá. Onde tudo era mato e mais mato. Naquela época, o mundo ainda tinha mistérios. Meu avô trabalhava como pedreiro. Passava três, quatro meses fora para conseguir alguma miséria para os filhos. Minha Avó era professora.

Durante essas viagens, eles ficaram em lugar particularmente alagado demais.Dormiram muito mal com mosquitos enchendo o saco a noite inteira.A maloca que eles estavam era cheia de goteiras.Dormir não era uma boa idéia e eles não dormiram. Ficaram em uma conversa sem fim sobre as coisas do mundo. Foram interrompidos por um barulho estranho no mato. Uma cantoria.

Umas pessoas estavam passando por lá, em procissão. As imagens eram a de Jesus Cristo e de um pássaro preto coroado. A imagem de Jesus era bem diferente do habitual, ele não estava ensangüentado, agonizando ou algo do tipo. Ele usava uma coroa, o manto era vermelho e dourado. O olhar era penetrante, destruidor, maligno.

No entanto, Jesus não era a imagem daquela procissão. Era o pássaro preto.Imenso. Era necessário quatro pessoas para suportar o peso. Nas garras do animal, havia varias fitas vermelhas com nome de pessoas e alguma coisa escrita. Meu avô não pode ler, ele era analfabeto.

Os pés das pessoas estavam sujos de lama. As expressões dos rostos estavam cansadas. Eles deviam estar naquilo há varias horas. Meu avô e os pedreiros ficaram horas olhando para a procissão. Quando ela sumiu no mato, a chuva parou. O sono veio e eles dormiram.








3 comentários:

  1. Nossa, Reale, seus textos em blog são as poucas leituras q eu não pulo uma só palavra.
    Rony perto de vc é um santo!

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  2. Muito bem Iguinho, tá parecendo um Rubem Fonseca!

    hauhauhau...

    Você sabe o que achei!

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  3. Nossa virei tua fã menino, eu imaginei todas as cenas na mente, vc é genial!
    Eu também compraria um livro seu,adorei...vou deixar salvo pra sempre vim aqui prestigiar o teu trabalho...lindo demais viu!! Parabéns!
    Eu sei que não somos muito próximos, mas tenho imenso carinho por vc meu querido!Precisando tou aqui, pode contar comigo!Ja era fã do seu trabalho com o da camila karina no eu sou do norte, agora virei mais adimiradora ainda, amei, de verdade de coração!Te gosto menininho engraçadinho :)um grande abraço by VANESSA RAFAELLY

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